domingo, 21 de abril de 2019

OS VENTOS DE MALAWI








Quem não conhece a história de William Kankwamba, deveria conhecer. Este jovem nasceu em uma família de camponeses na vila de Kasingu, no Malawi, continente africano. Em 2001, uma seca assolou a região, muitos morreram de fome e William e a sua família passaram a se alimentar apenas uma vez ao dia. William foi buscar na biblioteca da escola local, livros de ciência, mais especificamente de física, sem ao menos dominar o inglês, para aprender e compreender figuras e diagramas, que o levaram a acreditar que poderia construir um moinho de vento. Seu objetivo era gerar eletricidade e também bombear água para irrigar a terra, salvando sua família e sua comunidade da fome. William visitou periodicamente um ferro velho, juntou peças enferrujadas com partes da bicicleta que pertencia ao seu pai Trywell e construiu uma bobina eólica capaz de gerar 20 watts, suficiente para bombear água e irrigar a terra para o cultivo de alimentos em toda a vila.
A história de William inspirou o filme protagonizado por Maxwell Simba, “O menino que descobriu o vento”, sensação do momento na Netflix. Mas quem quiser assistir o próprio William contando sua história, basta acessar o Youtube e assistir sua palestra na série de conferências para disseminação de ideias, conhecida como TED.
O que me impressionou neste garoto de 13 anos, foi sua atitude perseverante diante de tantos obstáculos. Ele não desistiu de frequentar a única escola da comunidade secretamente, uma vez que foi proibido pelo diretor de estudar, por falta de pagamento das mensalidades. E ainda, persuadiu seu pai a acreditar nas suas ideias e a concordar com o desmanche da bicicleta para que algumas peças fossem usadas na construção do moinho. Sensível ao problema, não pensou em si ou até mesmo na sua família apenas, mas em toda a comunidade. Visão abrangente e comportamento negociador, somaram-se à sua capacidade intelectual.
A história de William convidou-me a refletir sobre o comportamento humano com foco na escassez e abundância. Em continentes do chamado primeiro mundo, abarrotados de tecnologia, fartura de alimentos, riquezas mil, convivemos diariamente com a miséria. Podemos refinar nossa percepção e identificar o quanto estamos distantes da riqueza da generosidade, da colaboração, da partilha, da solidariedade, da empatia. Nossa sociedade adoece na pobreza dos bons sentimentos para com nossos semelhantes. A intolerância cresce a cada dia diante da menor contrariedade neste mundo repleto de torneiras com água, mercados com vasta variedade de alimentos, mesas fartas e até o lixo farto.
Moinhos invisíveis urgem serem construídos para fabricar calor humano entre as pessoas em regiões tão abonadas de riquezas materiais. No ferro velho da vida, talvez possamos encontrar pedaços de boas intenções, sucatas enferrujadas de perdão, para seguirmos em frente e salvarmos nossa existência da miséria de nossas almas iludidas e famintas de amor.
Quantas vezes nos percebemos querendo construir moinhos que nos levem a atitudes pacíficas nas nossas relações interpessoais em prol de uma convivência mais leve.
Que bom seria se cada um de nós pude inventar sua própria engenhoca invisível, transformada em atitudes para irrigar este árido solo de nossas mentes e corações endurecidos. E que os ventos de Malawi nos inspirem a construir relacionamentos fundamentados nos mais nobres sentimentos e nas mais admiráveis ações distanciadas da escassez.

Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga CRP 06/15951, Diretora da Ego Clínica e Consultoria. www.katiaricardi.com.br
Publicado em 21/04/2019 na Revista Bem-Estar, jornal Diário da Região.




sexta-feira, 8 de março de 2019

SOBRE 8 DE MARÇO







            Muito já escrevi e publiquei sobre as conquistas da mulher ao longo dos anos. Muito já falei em palestras sobre a histórica data de 8 de março, instituída pela O.N.U. como o dia Internacional da Mulher.
Hoje, as comemorações não mais se limitam ao 08, avançam para todo o mês de março, com promoções comerciais e festanças mil.
As mulheres recebem descontos para trocar pneus do carro, recebem flores nas empresas onde trabalham, batons de brinde em estabelecimentos comerciais e promessas de transformações do visual em salões de beleza. Para elevar a autoestima e reconhecer a grandeza da participação da mulher na sociedade, tudo é válido, por que não?
Mas eu, euzinha aqui, não quero cair na mesmice das coisas que já escrevi e falei sobre o universo feminino. Contrariando minha tendência em ver sempre a parte boa de tudo e de todos, quero convidar à reflexão do que está embaixo do tapete. Então, este texto não é sobre as conquistas da mulher. Não é sobre feminismo e igualdade de direitos, mas é sobre o que a mulher ainda não conquistou.
Vivemos numa sociedade eminentemente machista. A mulher sofre pressões, opressões, humilhações, abusos, violência física e psicológica, assédio moral e sexual. Sem contar os feminicídios frequentemente noticiados pela imprensa. É crescente a participação da mulher na renda familiar, contribuindo também com a economia nacional, mas com salários inferiores aos homens na mesma função. A mulher não conquistou a igualdade de gênero e ainda sofre discriminação.
Segundo dados do IBGE, existem 22 milhões (38,7%) de domicílios que contam com a mulher como provedora e elas são responsáveis por 87% das famílias formadas por responsável sem cônjuge e com filho. O mercado da moda, estética e emagrecimento, a chamada indústria da beleza, desfruta dos lucros com a independência econômica da mulher e o desejo de consumo. Exageros ficam por conta da carência afetiva.
Embora a nossa sociedade machista tenha muita dificuldade em se comportar de forma respeitosa em relação ao papel da mulher na sociedade contemporânea, as próprias mulheres não se fazem respeitar, nesta altura da história. Diante de tantas oportunidades para avançarem em suas conquistas, fazem movimentos opostos, quando perdem a noção do bom senso desconstruindo a imagem de tantas pioneiras batalhadoras. A desigualdade de gênero existe e machuca. Mas não precisamos somar a isso, os danos da desconstrução. A mulher ainda não conquistou o respeito a si, quando expõe a sua imagem de forma vulgar, erotizada, objetificada. A mídia expõe a imagem da mulher da forma que convém aos interesses mercadológicos e infelizmente, há aquelas que se submetem a estes fins. Isso é triste!

Embora bastante decepcionada e machucada com as humilhações, discriminações e assédios que sofri (e ainda sofro) pelo simples fato de ser mulher, sinto orgulho por esta condição. Gerei filhos, fiz jornadas de trabalho duplas e triplas e aprendi a me fazer respeitar nas mais inusitadas e bizarras situações, mesmo que ainda longe da tão sonhada igualdade de gênero.
- Mas, Kátia, você? Como assim? – Pode perguntar o leitor (a).
Violência e agressões passivas acontecem diariamente nos melhores salões e nas mais cobiçadas salas do mundo corporativo. Não me sinto inferior nem superior a ninguém. Sou simplesmente um ser humano. Sou simplesmente uma mulher. E parafraseando uma das campanhas publicitárias, posso maquiar meu rosto, mas meus sentimentos, nem pensar! Tintim!

Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga CRP 06/15951, Diretoria da Ego Clinica e Consultoria