quarta-feira, 16 de setembro de 2015

INFANTOLATRIA

(publicado na Revista Bem-Estar, Diário da Região, 13/09/15)

Existe um período no qual os filhos podem e devem reinar na família. Ao nascerem, os bebês são colocados no centro das atenções, pois suas necessidades têm que ser decifradas. Este reinado deverá chegar ao fim até o segundo ano de vida no máximo, para que entendam a existência e as diferentes necessidades dos outros.
A infantolatria ocorre quando os pais não promovem esta adequação da criança ao mundo, dando a ela o poder de comandar a dinâmica familiar. Tudo é determinado em função da vontade da criança sempre. Não há espaço para as vontades de mais alguém. Os pais se colocam como súditos da criança e se colocam disponíveis para realizar todas as suas vontades e desejos o tempo todo.
Sabemos que a criança passa a ser a prioridade no ambiente familiar. Fazer suas vontades é OK, dentro de limites que também considerem a existência do outro. Este outro pode ser o irmão mais velho, o primo que veio visitar e quer brincar com os mesmos brinquedos, o vizinho que brinca no playground, e até mesmo os próprios pais e demais adultos que convivem com a criança.
Pais que fazem absolutamente tudo que a criança quer não estão educando. Podem agir assim como uma tentativa de compensação pelas horas ausentes. Ou por pensarem que agir desta forma significa demonstrar muito carinho pela criança. Se não houver limites, esta atitude dos pais poderá ter consequências danosas para o desenvolvimento da criança, que poderá apresentar no decorrer da vida, dificuldades de socialização e insegurança.
Além disso, poderá ocorrer distanciamento na relação conjugal quando o casal se transforma em pai e mãe e acaba se esquecendo de cultivar o relacionamento entre eles, porque o foco está exageradamente voltado para o filho. Já atendi no consultório vários casos de perda do apetite sexual neste contexto. A mulher se envolve tanto com as atenções à criança, que se desconecta de sua sexualidade. Não é raro ouvirmos o casal chamar um ao outro de “pai” e “mãe”, denunciando a dificuldade.
Ao iniciar as atividades escolares, a criança que aprendeu reinar o tempo todo em casa, vai repassar este comportamento para a escola e geralmente é neste momento que os pais começam a se preocupar diante das pontuações feitas por professores e orientadores pedagógicos.
Quando buscam orientação psicológica, é comum se queixarem do comportamento do filho, sem considerarem que foram eles, pais, que o colocaram nesta posição, que permitiram esta situação. Neste contexto, o filho não é o problema. É o sintoma de uma disfunção familiar. O trabalho do profissional, neste caso, é devolver aos pais o empoderamento necessário para conduzir a dinâmica familiar de forma amorosa e firme, revendo suas atitudes em relação à criança. Esta necessitará do profissional para a reeducação emocional. Vai aprender a se frustrar e saber dividir o que é seu, dar a vez para alguém, esperar o quanto for necessário para ter o que quer. Vai aprender que a vontade dos outros também existe e deve ser respeitada. Logo estará adaptada ao mundo, socializada, pronta para viver usando seu poder de forma cooperativa.
            Este trabalho com a criança somado à orientação aos pais tem apresentado bons resultados na minha prática clínica, quando os pais estão abertos para reverem seus conceitos, valores, crenças e experimentarem novo repertório comportamental. Dependendo do caso, o envolvimento nas orientações pode ser mais amplo, estendendo-se aos avós, babás, professores, enfim, pessoas que participam da rotina da criança.
Em nome do amor, pais e familiares educadores não sabem que estão dando muito mais poder do que a criança necessita para se tornar um ser humano saudável. Nunca é tarde para voltar atrás e dar novo direcionamento para esta difícil tarefa de educar.

KÁTIA RICARDI DE ABREU
Psicóloga Clínica especialista em Análise Transacional e Consultora de empresas

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