texto publicado em 10 de agosto de 2014, Revista Bem-Estar, Diário da Região
No salão, a
música tocava. Vozes somadas compunham o burburinho com gosto de festa. Ela não
esperava encontrá-lo ali. Não mesmo. Depois de tanto tempo, ele estava sorrindo,
há quase três metros que mais pareciam três milhões de anos-luz. Esta distância
e todos os que passavam apressados e outros nem tanto, não a impediram de ver o
brilho nos olhos dele que parecia dizer: “saudade!”, enquanto a mão direita
esboçava um discreto aceno. E tudo aconteceu em cinco segundos. Talvez seis.
Não mais que isso.
Com o andar
firme apoiado em suas pernas bambas, atravessou o salão assustada, insegura e
lá permaneceu. A noite fria terminou assim: ela à direita, ele à esquerda, até
que foram para suas casas. Ela para o norte, ele para o sul.
No dia
seguinte e no outro e no outro, ela esperou um telefonema, um e-mail, um
torpedo, um sinal de fumaça, alguma manifestação mais expressiva de comunicação
verbal ou escrita que a fizesse entender o distanciamento dele anterior àquela
noite fria. Talvez por imaginar que merecesse. Mas veio o silêncio. E então
chegou a tristeza. Por que ela esperou. Por que ela esperou demais.
No salão a
música tocava. Sentado, ele conversava quando seus olhos caíram sobre aquela
conhecida silhueta, aquele jeito de andar... Seria mesmo ela? Ou seria produto
da sua imaginação? – pensou ele. Mas quando ela girou e ficou de frente para
ele, ah! Não teve mais dúvidas. Sim, era ela! O que fazer? Ele olhou tentando
dizer: “veja, estou aqui!” Ela reagiu ao seu quase aceno de forma quase
natural. Ele a viu acenar discretamente
e quase sorrir. Depois, ela sumiu de sua visão. Ele esperou que ela voltasse e
lhe desse algum sinal de que estava tudo bem.
Tentou alcançá-la com o olhar e quando conseguiu, ficou em dúvida se
seria uma boa ideia ir ao seu encontro em circunstâncias tão incertas. Decidiu
não arriscar. E permaneceu ele à esquerda, ela à direita no grande salão. E a
noite fria terminou assim: com seus passos firmes, parecendo feliz, ele foi
para o sul, sabendo que ela iria para o norte.
Decepção. Sentimento
de insatisfação que surge quando não se concretizam as expectativas sobre algo
ou alguém. Vem acompanhada de mágoa, tristeza, frustração e muitas vezes,
raiva.
Somos
responsáveis pelas escolhas que fazemos. Estas escolhas envolvem nossos
relacionamentos. Portanto, a decepção é uma consequência de nossas escolhas
carregadas de expectativas em relação ao outro.
Não haverá
decepção se não houver expectativa. Será que conseguimos viver de forma a nada
esperar de ninguém sempre? Muitas vezes nos distraímos deste propósito. Esperamos algo de alguém. Então, nos resta
administrar as decepções. Isso significa isentar o outro como responsável por
nossos sentimentos. Fácil de entender, difícil de praticar.
Vez ou
outra, vemo-nos ressentidos, magoados, tristes porque o outro fez ou não fez
algo que esperávamos que fizesse ou não fizesse. Algo que não faríamos ou
faríamos se estivéssemos no lugar dele. Esquecemos de que temos valores
diferentes, percepções diferentes, história de vida diferente, tudo diferente. Fica
aquela dor, grande ou pequena (dor tem tamanho?), misturada aos pensamentos
confusos e sentimentos desconfortáveis.
A vida nos
ensina muitas lições. Com o tempo aprendemos que o outro não é o algoz de
nossos sentimentos, de nossa inevitável dor. E quanto mais cedo aprendermos,
melhor.
No dia
seguinte, ela ficou taciturna. Pensou em procurá-lo, mas sua autoestima não
permitiu. Esperava que ele o fizesse. Passou outro dia, mais outros e ela se
curou de seus sentimentos dolorosos. Virou a página.
No dia
seguinte ele ficou macambúzio. Pensou em algumas palavras para dizer a ela caso
a encontrasse novamente em um dia qualquer, em uma festa qualquer. Passou outro dia e mais outros. Envolveu-se com
suas coisas. Esqueceu.
Ambos
seguiram suas vidas. Ela no norte, ele no sul, separados por ruas, avenidas,
expectativas e... Decepções!
Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga Clínica especialista em Análise
Transacional e Consultora de empresas.
www.katiaricardi.com.br 17
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