quinta-feira, 1 de setembro de 2016

CONEXÕES NA ERA DA SOLIDÃO




A tarde de sol tímido convidava a um chá acompanhado de cookies com gotas de chocolate e talvez um pedaço generoso de bolo de laranja. Ela passou algumas horas do seu tempo preparando o ambiente. A toalha bordada, os guardanapos com as cores suaves, acompanhando os tons das rosas que enfeitavam o vaso sobre a mesa redonda do jardim. Com seus passos lentos, sentou-se à varanda na confortável cadeira de ratan e olhando para o horizonte, pensou em uma amiga ao seu lado, na outra cadeira, também de ratan, para prosear neste bucólico e acolhedor ambiente. Após várias tentativas, esgotou sua agenda em vão. Não havia companhia para este cenário. Todos estavam ocupados, comprometidos, ou desinteressados. Na companhia dos pardais inquietos, ela sorveu o chá e se serviu de uma fatia do saboroso bolo. Desapontada, não conseguiu impedir que uma lágrima indiscreta rolasse pela face.
 Um grande vazio habita a alma de muitas pessoas nesta sociedade contemporânea. São sete bilhões de seres humanos buscando, cada um a seu modo, esta tal felicidade. A forma egocêntrica de amar coloca o outro à serviço das necessidades. Ao mudar de necessidade, descarta-se o relacionamento com a mesma naturalidade com que é deletado o lixo eletrônico. Nossa sociedade doente revela o embotamento de interesse pelas pessoas não conectadas aos projetos imediatistas, apoiado em uma sensibilidade reprimida, que vai ficando cada vez mais ausente da relação eu-tu.
Na era da solidão, cada um se diverte com seus contatos virtuais, facilmente desligados e controlados à distância. Um clique e pronto! Fui dormir e não precisei nem mesmo me despedir. Outro clique e pronto! Estou de volta. Para uns sim, para outros não, porque posso escolher para quem eu me revelo. Em qual aplicativo posso navegar sem despertar ciúmes das pessoas reais ao meu lado? Em qual ambiente virtual posso preencher meu vazio e fazer conexões que não incomodem a minha consciência e meus valores? Confortável com as escolhas feitas, a vida segue.
A quantidade e a superficialidade dos relacionamentos estão mais disponíveis porque a qualidade e a profundidade deles necessitam tempo de investimento. Lapidação constante. Reparação. Às vezes, perdão.
Há quem não se deixe seduzir pelas relações ilusórias e transitórias, quem busque a essência e a decência de olhares reais, profundos e conectados na alma. Para estes, a vida pode seguir sem eventuais companhias para um chá com bolo de laranja e um papo consistente. Mas não seguirá sem a esperança de ver a outra cadeira de ratan ocupada um dia por alguém que a mereça.

Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga
www.katiaricardi.com.br