segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O COMETA, O ECLIPSE E A ESPONTANEIDADE

 Estava dormindo e talvez sonhando, descansando para mais um dia de estudos e brincadeiras de criança, quando da porta da sala saiu enorme barulho. Batidas vigorosas misturadas com uma voz feminina familiar, insistiram até que alguém foi verificar o que estava acontecendo de anormal naquela hora da madrugada. Meus olhos se abriram e depois se fecharam, recusando entrar em contato com a realidade, seja ela qual fosse. Ouvi vozes dos meus pais misturadas com aquela voz feminina e familiar que se aproximou do meu quarto. Foi então que não pude mais conservar meus olhos fechados: diante da minha cama, estava uma tia querida, em êxtase, aos quase gritos:
- Kátia, venha para a rua ver o cometa!
Minha pouca idade não me permitia ter a noção exata do que estava acontecendo. Cometa? O que é isso? Parecia algo bom, pelo sorriso dela estampado no rosto. Todos saíram para a rua e eu segui o fluxo, ainda sonolenta. Olhavam para o céu e exclamavam: ahhh! Ohhh!
Confesso que fiquei muito mais impressionada com a capacidade da minha amada tia, em reunir a vizinhança na frente da minha casa para ver o cometa, do que com o próprio cometa.
No dia seguinte, no ponto de encontro da feira na vila, o assunto foi ela – minha tia – aquela que acordou um número considerável de vizinhos para ver uma coisa nebulosa no céu chamada cometa.
Assim como minha saudosa tia, existem pessoas que conseguem jorrar espontaneidade por onde passam, fazendo um estilo agregador e catalizador da alegria do grupo para cunhar momentos memoráveis, inesquecíveis.
A imagem que tenho em minha mente do tal cometa, é algo embaçado, uma bola branca e nebulosa no céu (na minha pesquisa tudo indica que foi o cometa Bennett). Com muito custo, consegui ver a “cauda” do cometa, que tanto falavam. No entanto, associei ao fenômeno astrológico à nítida imagem da minha querida tia, olhos brilhantes, sorriso aberto, saltitando pela cozinha enquanto minha mãe passava o café no coador de pano apoiado em um tripé de ferro. Sinto até agora o aroma do pó, misturado com o barulho das vozes com o gosto de alegria, de intimidade, de espontaneidade.
Nos tempos de outrora, a espontaneidade reinava com mais.... Espontaneidade!
Percebo atualmente a dificuldade de expressar espontaneidade nos movimentos da comunicação interpessoal. A intimidade nos relacionamentos está reduzida a uma versão modulada para mais distanciar do que aproximar. Com receio de invadir e de não se sentirem invadidas, as pessoas estão se preservando tanto que a naturalidade das emoções e manifestações de autêntica alegria em estar junto, envolvendo-se diante das coisas simples da vida, está sendo recebida quase como uma inconveniência. Parece que a comunicação se estabeleceu nos grupos sociais com um excesso de zelo pela imagem que vamos ou não vamos passar. Deixamos de nos permitir ser quem somos? Estamos entendendo os benefícios das trocas genuínas e autênticas das nossas emoções isentas de um diálogo interno opositor e crítico?
Outro episódio astrológico interessante e mais recente ocorreu na noite de 27 de setembro de 2015:  um eclipse lunar com condições favoráveis à olho nu, previstas para o Brasil. Aí sim, eu estava muito bem acordada e crescida. Passei o dia me preparando para assistir ao espetáculo. Porém, em determinado momento, o céu se encobriu de nuvens e não consegui ver o eclipse total. Mas tive a sorte de poder acompanhar o fenômeno através de meu filho, que estava em outro país e registrou com fotos, enviando as imagens enquanto as apreciava de lá. Perguntei a ele se a rua estava cheia de pessoas assistindo o eclipse, já que estava tão nítido. Imaginei minha tia nas terras do tio Sam neste momento, batendo nas portas. Mas, para minha perplexidade, meu filho me disse que estava sentado nas escadarias do prédio onde morava e que na rua havia apenas uma jovem falando com um policial, distanciados da singularidade do momento.  Segundo ele, apenas um rapaz saiu de um dos apartamentos, rapidamente fotografou com o celular o eclipse e entrou novamente, sem demonstrar alguma empolgação.
Os eventos astronômicos são belos, fascinantes. Cometas, estrelas, meteoros, eclipses, aurora boreal, chuva de meteoros, conjunção entre planetas e tantos outros, são como nossas fenomenais emoções que ocorrem dentro de cada um de nós e entre nós com intensidade e beleza. Nossa cultura alienante, afasta-nos lentamente da nossa capacidade de senti-las e expressá-las. Perdendo a consciência de quem somos, perdemos a espontaneidade. Sendo estranhos para nós, somos estranhos também entre nós e isso é triste.
Estamos qualificando as emoções presentes nas nossas comunicações e relacionamentos, transformando-as em benefícios para a nossa saúde? Estamos nos empenhando em estreitar os laços com nossos semelhantes, familiares, vizinhos, amigos?
Podemos resgatar nossa espontaneidade com a linguagem do amor, dando-nos atenção ao que fazemos e a quem somos. Desta forma, deixaremos a espontaneidade brotar da mesma base que dá luz à cada átomo no Universo. “Ser espontâneo é nascer a cada momento” – Alberto Caeiro

KÁTIA RICARDI DE ABREU

Psicóloga Clínica e organizacional, especialista em Análise Transacional