segunda-feira, 23 de julho de 2018

RESSIGNIFICAR





“Sim, tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza, nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste. ”
Carlos Drummond de Andrade

Ressignificar é um processo de modificação do filtro pelo qual percebemos os acontecimentos. Podemos dar novos significados a eles a partir da mudança na percepção que temos do mundo. Consiste em perceber de uma nova maneira aquilo que já estava formatado no nosso sistema de valores e crenças. Quando mudamos o filtro, mudamos o significado.
Ao ressignificar, aprendemos a pensar e sentir de outro modo sobre os fatos da vida, com novos pontos de vista, levando outros fatores em consideração. Por exemplo, temos um copo com um líquido pela metade. Podemos colocar o foco na metade do copo que está vazia ou passar a perceber a metade que está preenchida com o líquido. Da escassez, mudamos a percepção para a abundância.
Nós percebemos as coisas como somos. O livro “Polyana”, um clássico da literatura, de autoria de Eleanor Porter, publicado em 1913, mostra a habilidade de ressignificar, através da protagonista da história. Polyana passa a praticar o jogo do contente, que consiste em perceber algo de positivo em suas experiências negativas. Neste jogo mental, ela evita a dor.
Há o perigo do polyanismo extremo, que seria a negação da dor, excesso de otimismo não realista, maníaco. Neste caso, a ressignificação torna-se doentia, patológica. Ocorre quando não delimitamos espaço, posicionando-nos de forma a evitar confrontos o tempo todo, aceitando e nos acostumando com os estímulos negativos. Isso pode acontecer quando, diante dos estímulos negativos que nos provocam dor, pensamos: a vida é assim mesmo, ruim com isso, pior sem isso, é o meu carma, deixa pra lá que é melhor.
Na minha prática clínica ouço muitas queixas de casais um tanto quanto acostumados com a dor da indiferença, da hostilidade, do erotismo em detrimento ao romantismo, apegados a muitos motivos para continuarem juntos e infelizes, sem considerar a possibilidade de qualquer tipo de ressignificação sobre o relacionamento. Seguem ambos com suas válvulas de escape para sobreviverem emocionalmente, com suas algemas invisíveis machucando a alma por não saberem lidar com suas dores relacionais.
Experiências dolorosas e traumáticas são tratadas através da ressignificação envolvendo o perdão e neste processo, a cura interna é atingida quando a pessoa consegue relembrar a experiência dolorosa e traumática de uma forma nova, percebendo os benefícios de tê-la vivenciado.
Diante de realidades sombrias, temos a possibilidade de conduzir a vida em outras direções, entendendo adversidades como aprendizado. Quando as coisas não acontecem da forma como desejamos, podemos pensar: qual é a mensagem que a vida me proporciona com isso? Neste processo, não existe fracasso. Ocorre sucesso ou aprendizado. É o que Eric Berne, psiquiatra canadense, propõe através de seu método de mudança positiva de conduta. Ao rever crenças, valores, decisões precoces, podemos abandonar um estilo de vida disfuncional e desenvolver um plano de vida realista e consciente, livre de Script e, portanto, ressignificado.
Podemos ressignificar sentimentos, quando por exemplo, nos desapegamos de um relacionamento. Como continuar investindo tempo e energia em algo que deixou de ser gratificante, prazeroso, recíproco? O relacionamento pode ser ressignificado e continuar existindo, porém em outro formato.
Ressignificamos propósitos e objetivos, quando desistimos de um projeto, uma faculdade, um curso, um emprego. Com consciência, abrimos mão de coisas que deixaram de ser importantes. Desistir de algo que não faz mais sentido não é um fracasso, e sim uma ressignificação. Muitos profissionais me procuram para fazerem orientação de carreira, buscando ressignificar a área profissional. São bem-sucedidos, mas não estão felizes na carreira que escolheram. Ou até mesmo, dentro da própria carreira escolhida, querem direcioná-la para outros caminhos.
A história de Viktor Frankl, criador da Logoterapia, é outro exemplo de ressignificação. Ele viveu na época dos campos de concentração nazistas, sendo prisioneiro em um deles. Escreveu livros nesta época e acreditou em dias melhores. “Quando a situação for boa, desfrute-a. Quando a situação for ruim, transforme-a. Quando a situação não puder ser transformada, transforme-se”, dizia ele.
Ressignificar implica em sair da vitimização, responsabilizar-se por sua vida, suas decisões. Você escolhe até onde quer ir na toca da raposa.


Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga CRP 06/15951, especialista em Análise Transacional, diretora da Ego Clínica e Consultoria. 17 997724890 (whatsApp)