domingo, 22 de fevereiro de 2015

O FIM

texto publicado em 22/02/2015 na Revista Bem-Estar, Jornal Diário da Região




Toda história tem começo, meio e fim. Pois bem, vamos falar do fim. Aquele the end da fita, sabe? As luzes do cinema se acendem e você ainda continua na poltrona, prostrada, incrédula, esperando um representante de Hollywood de terno e gravata aparecer na sua frente e dizer que já estão providenciando as filmagens da continuação da história. Mas como isso não acontece você se levanta e volta para casa, inconformada. É um sabor de “quero mais”, “não acredito que acabou”.
O fim de uma história pode ser feliz, infeliz, sem graça, triste, ridículo, mal feito, mas é fim. A-ca-bou! Os roteiristas de novelas campeãs de audiência, dificilmente conseguem elaborar um fim para a história e seus personagens, que agrade a própria audiência. Porque foi bom o que houve durante a história e de tão bom que foi, ninguém quer o fim. Então a gente ouve os comentários: “não gostei do fim”. Qualquer fim é difícil de aceitar, quando o desejo é que ele não aconteça.
E o THE END na vida real? Muitas vezes, não queremos aceitar o fim de nossas próprias histórias. O fechamento de nossos ciclos. Ou não queremos aceitar a forma como ocorreram. Quem já não se pegou desejando que tivesse sido diferente? Com uma pitada disso ou daquilo? Mesmo que a mocinha e o mocinho não fiquem juntos, felizes para sempre, queremos sair da fita de bem com a vida, para o bem de nossa autoestima, não é?
                Quando faço entrevistas de desligamento, nas empresas, procuro estimular o colaborador que está se demitindo ou está sendo demitido, a fechar este ciclo da forma mais confortável possível. É uma oportunidade de iniciar uma nova etapa, embora muitas vezes esta transição seja dolorosa e a despedida, triste. Porém, para que a pessoa possa visualizar as vantagens da nova etapa, ela precisa passar pelo luto da separação deste ciclo que se fecha.
                Separações sempre são tristes e dolorosas, mesmo quando a pessoa está indo para algo melhor. Tudo tem perdas e ganhos. Apesar de tristes e dolorosas, podem ser feitas com dignidade, sensibilidade. Pode haver alívio, quando a dor de permanecer no relacionamento é maior do que a dor da separação.
No amor, o fim pode ser trágico, passional Também pode ser suave. Depende do grau de maturidade emocional das pessoas envolvidas.
Certa vez recebi um casal no consultório decidido a colocar o fim no relacionamento. Sem brigas, eles conversaram durante muitas sessões sobre os bons momentos que passaram juntos, os motivos do desgaste no relacionamento e a vontade de iniciar uma nova etapa. Finalizaram ali na minha sala a relação conjugal com a proposta de iniciar uma relação de “ex” respeitosa, madura e humana. Com carinho, devolveram as alianças um para o outro de forma solene, se abraçaram e foram viver suas vidas separados, talvez mais unidos do que quando estavam morando debaixo do mesmo teto. Achei lindo quando o marido disse para a esposa que não tinha sentido continuar se ela não o amava mais. Mesmo que ele ainda a amasse. Ele iria seguir adiante, em busca do amor com alguém que pudesse corresponder. Mas infelizmente, este caso é a exceção. 
Entre namorados, as principais queixas são aquelas em torno do fim que demora a ser entendido. A pessoa se distancia e espera o outro desconfiar que ela decidiu colocar o ponto final no relacionamento. Decidiu que não quer mais e tem dificuldade de comunicar isso de forma direta à outra parte envolvida. Apenas a exclui da sua rota. Deleta, joga na lixeira o relacionamento e consequentemente a pessoa, que é desqualificada. Como assim? Você liga e ela não atende. Deixa recado e ela não retorna. Tenta pelo whatsApp e descobre que ela te bloqueou. Saiu do facebook, instagram, tudo. Ou saiu só para você. Trocou o número de telefone. Blindou-se de você. Declarada é a rejeição. Dupla é a dor: a da separação e a de como ocorreu a separação. O mais doloroso fim de todos os fins. Pior do que não querer mais é não dizer isso olhando nos olhos.
Demissões corporativas, rompimentos de relacionamentos, acontecem todos os dias.  E no dia seguinte, currículos são enviados, pessoas interessantes preenchem as lacunas nos relacionamentos dissolvidos, novos ciclos se iniciam. Ninguém morre por causa disso.
O fim pode simplesmente ser triste e ao mesmo tempo feliz, com lágrimas misturadas a sorrisos, dizendo adeus para uma etapa da vida sem deixar que as boas lembranças permaneçam. Este é o fim honroso, com chave de ouro que eu gostaria de assistir e vivenciar. E você?

KÁTIA RICARDI DE ABREU

Psicóloga, CRP 06/15951-5, especialista em Análise Transacional na área clínica e consultora de empresas.