(publicado na Revista Bem-Estar, Diário da Região, 13/09/15)
Existe um período no qual os
filhos podem e devem reinar na família. Ao nascerem, os bebês são colocados no
centro das atenções, pois suas necessidades têm que ser decifradas. Este
reinado deverá chegar ao fim até o segundo ano de vida no máximo, para que
entendam a existência e as diferentes necessidades dos outros.
A infantolatria ocorre quando os
pais não promovem esta adequação da criança ao mundo, dando a ela o poder de
comandar a dinâmica familiar. Tudo é determinado em função da vontade da
criança sempre. Não há espaço para as vontades de mais alguém. Os pais se colocam
como súditos da criança e se colocam disponíveis para realizar todas as suas
vontades e desejos o tempo todo.
Sabemos que a criança passa a ser
a prioridade no ambiente familiar. Fazer suas vontades é OK, dentro de limites
que também considerem a existência do outro. Este outro pode ser o irmão mais
velho, o primo que veio visitar e quer brincar com os mesmos brinquedos, o vizinho
que brinca no playground, e até mesmo os próprios pais e demais adultos que
convivem com a criança.
Pais que fazem absolutamente tudo
que a criança quer não estão educando. Podem agir assim como uma tentativa de
compensação pelas horas ausentes. Ou por pensarem que agir desta forma
significa demonstrar muito carinho pela criança. Se não houver limites, esta
atitude dos pais poderá ter consequências danosas para o desenvolvimento da
criança, que poderá apresentar no decorrer da vida, dificuldades de
socialização e insegurança.
Além disso, poderá ocorrer distanciamento
na relação conjugal quando o casal se transforma em pai e mãe e acaba se
esquecendo de cultivar o relacionamento entre eles, porque o foco está
exageradamente voltado para o filho. Já atendi no consultório vários casos de
perda do apetite sexual neste contexto. A mulher se envolve tanto com as
atenções à criança, que se desconecta de sua sexualidade. Não é raro ouvirmos o
casal chamar um ao outro de “pai” e “mãe”, denunciando a dificuldade.
Ao iniciar as atividades
escolares, a criança que aprendeu reinar o tempo todo em casa, vai repassar
este comportamento para a escola e geralmente é neste momento que os pais
começam a se preocupar diante das pontuações feitas por professores e
orientadores pedagógicos.
Quando buscam orientação
psicológica, é comum se queixarem do comportamento do filho, sem considerarem
que foram eles, pais, que o colocaram nesta posição, que permitiram esta
situação. Neste contexto, o filho não é o problema. É o sintoma de uma
disfunção familiar. O trabalho do profissional, neste caso, é devolver aos pais
o empoderamento necessário para conduzir a dinâmica familiar de forma amorosa e
firme, revendo suas atitudes em relação à criança. Esta necessitará do
profissional para a reeducação emocional. Vai aprender a se frustrar e saber
dividir o que é seu, dar a vez para alguém, esperar o quanto for necessário
para ter o que quer. Vai aprender que a vontade dos outros também existe e deve
ser respeitada. Logo estará adaptada ao mundo, socializada, pronta para viver
usando seu poder de forma cooperativa.
Este trabalho com a criança somado à
orientação aos pais tem apresentado bons resultados na minha prática clínica,
quando os pais estão abertos para reverem seus conceitos, valores, crenças e
experimentarem novo repertório comportamental. Dependendo do caso, o
envolvimento nas orientações pode ser mais amplo, estendendo-se aos avós,
babás, professores, enfim, pessoas que participam da rotina da criança.
Em nome do amor, pais e
familiares educadores não sabem que estão dando muito mais poder do que a
criança necessita para se tornar um ser humano saudável. Nunca é tarde para
voltar atrás e dar novo direcionamento para esta difícil tarefa de educar.
KÁTIA RICARDI DE ABREU
Psicóloga Clínica especialista em
Análise Transacional e Consultora de empresas
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