A tarde de sol
tímido convidava a um chá acompanhado de cookies com gotas de chocolate e
talvez um pedaço generoso de bolo de laranja. Ela passou algumas horas do seu
tempo preparando o ambiente. A toalha bordada, os guardanapos com as cores
suaves, acompanhando os tons das rosas que enfeitavam o vaso sobre a mesa
redonda do jardim. Com seus passos lentos, sentou-se à varanda na confortável
cadeira de ratan e olhando para o
horizonte, pensou em uma amiga ao seu lado, na outra cadeira, também de ratan, para prosear neste bucólico e
acolhedor ambiente. Após várias tentativas, esgotou sua agenda em vão. Não
havia companhia para este cenário. Todos estavam ocupados, comprometidos, ou
desinteressados. Na companhia dos pardais inquietos, ela sorveu o chá e se
serviu de uma fatia do saboroso bolo. Desapontada, não conseguiu impedir que
uma lágrima indiscreta rolasse pela face.
Um grande vazio habita a alma de muitas
pessoas nesta sociedade contemporânea. São sete bilhões de seres humanos
buscando, cada um a seu modo, esta tal felicidade. A forma egocêntrica de amar
coloca o outro à serviço das necessidades. Ao mudar de necessidade, descarta-se
o relacionamento com a mesma naturalidade com que é deletado o lixo eletrônico.
Nossa sociedade doente revela o embotamento de interesse pelas pessoas não conectadas
aos projetos imediatistas, apoiado em uma sensibilidade reprimida, que vai
ficando cada vez mais ausente da relação eu-tu.
Na era da solidão, cada um se
diverte com seus contatos virtuais, facilmente desligados e controlados à
distância. Um clique e pronto! Fui dormir e não precisei nem mesmo me despedir.
Outro clique e pronto! Estou de volta. Para uns sim, para outros não, porque
posso escolher para quem eu me revelo. Em qual aplicativo posso navegar sem
despertar ciúmes das pessoas reais ao meu lado? Em qual ambiente virtual posso
preencher meu vazio e fazer conexões que não incomodem a minha consciência e
meus valores? Confortável com as escolhas feitas, a vida segue.
A quantidade e a superficialidade
dos relacionamentos estão mais disponíveis porque a qualidade e a profundidade
deles necessitam tempo de investimento. Lapidação constante. Reparação. Às
vezes, perdão.
Há quem não se deixe seduzir
pelas relações ilusórias e transitórias, quem busque a essência e a decência de
olhares reais, profundos e conectados na alma. Para estes, a vida pode seguir
sem eventuais companhias para um chá com bolo de laranja e um papo consistente.
Mas não seguirá sem a esperança de ver a outra cadeira de ratan ocupada um dia por alguém que a mereça.
Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga
www.katiaricardi.com.br