- Kátia,
venha para a rua ver o cometa!
Minha pouca
idade não me permitia ter a noção exata do que estava acontecendo. Cometa? O
que é isso? Parecia algo bom, pelo sorriso dela estampado no rosto. Todos
saíram para a rua e eu segui o fluxo, ainda sonolenta. Olhavam para o céu e
exclamavam: ahhh! Ohhh!
Confesso
que fiquei muito mais impressionada com a capacidade da minha amada tia, em reunir
a vizinhança na frente da minha casa para ver o cometa, do que com o próprio
cometa.
No dia seguinte,
no ponto de encontro da feira na vila, o assunto foi ela – minha tia – aquela
que acordou um número considerável de vizinhos para ver uma coisa nebulosa no
céu chamada cometa.
Assim como
minha saudosa tia, existem pessoas que conseguem jorrar espontaneidade por onde
passam, fazendo um estilo agregador e catalizador da alegria do grupo para
cunhar momentos memoráveis, inesquecíveis.
A imagem
que tenho em minha mente do tal cometa, é algo embaçado, uma bola branca e
nebulosa no céu (na minha pesquisa tudo indica que foi o cometa Bennett). Com
muito custo, consegui ver a “cauda” do cometa, que tanto falavam. No entanto,
associei ao fenômeno astrológico à nítida imagem da minha querida tia, olhos
brilhantes, sorriso aberto, saltitando pela cozinha enquanto minha mãe passava
o café no coador de pano apoiado em um tripé de ferro. Sinto até agora o aroma
do pó, misturado com o barulho das vozes com o gosto de alegria, de intimidade,
de espontaneidade.
Nos tempos
de outrora, a espontaneidade reinava com mais.... Espontaneidade!
Percebo
atualmente a dificuldade de expressar espontaneidade nos movimentos da
comunicação interpessoal. A intimidade nos relacionamentos está reduzida a uma
versão modulada para mais distanciar do que aproximar. Com receio de invadir e
de não se sentirem invadidas, as pessoas estão se preservando tanto que a
naturalidade das emoções e manifestações de autêntica alegria em estar junto,
envolvendo-se diante das coisas simples da vida, está sendo recebida quase como
uma inconveniência. Parece que a comunicação se estabeleceu nos grupos sociais
com um excesso de zelo pela imagem que vamos ou não vamos passar. Deixamos de
nos permitir ser quem somos? Estamos entendendo os benefícios das trocas
genuínas e autênticas das nossas emoções isentas de um diálogo interno opositor
e crítico?
Outro
episódio astrológico interessante e mais recente ocorreu na noite de 27 de
setembro de 2015: um eclipse lunar com
condições favoráveis à olho nu, previstas para o Brasil. Aí sim, eu estava
muito bem acordada e crescida. Passei o dia me preparando para assistir ao
espetáculo. Porém, em determinado momento, o céu se encobriu de nuvens e não
consegui ver o eclipse total. Mas tive a sorte de poder acompanhar o fenômeno
através de meu filho, que estava em outro país e registrou com fotos, enviando
as imagens enquanto as apreciava de lá. Perguntei a ele se a rua estava cheia
de pessoas assistindo o eclipse, já que estava tão nítido. Imaginei minha tia
nas terras do tio Sam neste momento, batendo nas portas. Mas, para minha
perplexidade, meu filho me disse que estava sentado nas escadarias do prédio
onde morava e que na rua havia apenas uma jovem falando com um policial,
distanciados da singularidade do momento.
Segundo ele, apenas um rapaz saiu de um dos apartamentos, rapidamente
fotografou com o celular o eclipse e entrou novamente, sem demonstrar alguma
empolgação.
Os eventos
astronômicos são belos, fascinantes. Cometas, estrelas, meteoros, eclipses,
aurora boreal, chuva de meteoros, conjunção entre planetas e tantos outros, são
como nossas fenomenais emoções que ocorrem dentro de cada um de nós e entre nós
com intensidade e beleza. Nossa cultura alienante, afasta-nos lentamente da
nossa capacidade de senti-las e expressá-las. Perdendo a consciência de quem
somos, perdemos a espontaneidade. Sendo estranhos para nós, somos estranhos
também entre nós e isso é triste.
Estamos qualificando
as emoções presentes nas nossas comunicações e relacionamentos,
transformando-as em benefícios para a nossa saúde? Estamos nos empenhando em
estreitar os laços com nossos semelhantes, familiares, vizinhos, amigos?
Podemos
resgatar nossa espontaneidade com a linguagem do amor, dando-nos atenção ao que
fazemos e a quem somos. Desta forma, deixaremos a espontaneidade brotar da
mesma base que dá luz à cada átomo no Universo. “Ser espontâneo é nascer a cada
momento” – Alberto Caeiro
KÁTIA RICARDI DE ABREU
Psicóloga Clínica e organizacional,
especialista em Análise Transacional