Em uma
manhã encalorada deste verão, pensei em Claude Steiner ao esbarrar meus olhos
em uma de suas obras repousando na minha estante. Algumas horas depois, constatei
que estávamos exatamente no dia do nascimento deste mestre querido. Enviei uma
tímida mensagem, cumprimentando-o, encorajada pelas respostas sempre gentis que
ele me dirigiu em outras ocasiões. Mas esta mensagem ele não pôde responder. Naquele
dia, Steiner estava às margens do lago em seu rancho em Ukiah, Califórnia,
rodeado pela família, despedindo-se da sua passagem pela Terra. Segundo sua
filha Mimi, ele se foi “olhando para a água, ouvindo música, chorando e rindo a
beleza da vida”.
Voltei até
a estante e peguei aquele livro. Com as folhas amareladas e com o texto grifado
até não poder mais, a primeira página tinha minha letra reproduzida pela
esferográfica registrando que eu o havia adquirido em 1988 em um dos Congressos
de que participei. Dentro do livro, encontrei um registro mais precioso: minha
foto com Steiner, em encontro que tivemos em 1992. Folheando e lendo alguns
parágrafos grifados, observei o quanto este mestre querido esteve muito além do
seu tempo. Como são atuais suas ideias publicadas na década de 80, sobre o uso
do poder para mudar padrões de relacionamento interpessoal, grupal e social de
forma cooperativa, pacífica e construtiva: o outro lado do poder.
Jogos de
poder são transações tóxicas, desonestas, manipuladoras, para fazer com que as
pessoas façam o que o jogador quer que elas façam e ainda (pasmem!), tendo a
sensação de gostar de fazê-lo.
Steiner
ensinou a identificar e compreender os Jogos de Poder. Mais que compreender,
ele ensinou a responder aos Jogos e manipulações desbancando o abuso do Poder
nas relações sociais, políticas, familiares, conjugais.
O uso e o abuso do Poder acontecem de forma
sutil, suave, elegante. Fingir não ter poder algum é uma forma requintada de
usar o Poder. O abuso requintado do Poder
é a capacidade de persuadir o outro a desejar o que você deseja.
Há uma
crença na qual, Poder e Sucesso andam juntos. Neste cenário, acrescenta-se a
Competição: para se sentir poderosa, a pessoa precisa minar o poder do outro.
Este mundo tendencioso é lamentavelmente bidimensional – só existem duas
alternativas: tudo ou nada, branco ou preto, isto ou aquilo, ganhar ou perder, você
é meu amigo ou é meu inimigo, está no meu time ou contra mim, faz tudo que eu
quero ou não me ama. Através da intimidação apoiada no medo das pessoas e na
exploração da culpa, das ameaças sutis e veladas às agressões e torturas, o
jogador também pode fazer uso das mentiras descaradas ou segredos e
meias-verdades, mexericos e boatos.
Sentimentos
de amor e desejos de dominar os movimentos do outro (controle) são confundidos
nos relacionamentos conjugais gerando ciúme e posse. O uso e abuso de poder nas relações conjugais
ocorrem sutilmente, protegidos pela fachada de “casal 20”, beijocas, elogios
mútuos e tudo o mais. Agressões passivas, controle exacerbado, cobranças. Ciúme
possessivo deve ser diferenciado do ciúme que questiona a validade da relação
afetuosa diante da violação de um acordo de mutualidade do amor entre duas
pessoas, onde uma delas se sente em déficit.
Nações são governadas com o uso e abuso do Poder a
serviço das vaidades pessoais. A ficção na série House of Cards mostra como e os jornais também. O cenário político
mundial está impregnado de Jogos de Poder, um verdadeiro cassino cujo saldo
final é a miséria em todos os sentidos, sobretudo a miséria de caráter. A forma
mais triste de Jogo de Poder chama-se Guerra, com armas ou sem, destruindo
vidas, ceifando sonhos, semeando discórdia, incendiando conflitos, favorecendo
grupos, corrompendo pessoas e instituições.
Para fazer
o contraponto, há um conjunto de Jogos de Poder que são defensivos e levam o
jogador a atingir suas metas passivamente. Geralmente acontecem quando a pessoa
não quer fazer algo que o outro deseja que ela faça. Para se esquivar (ao invés
de dizer que não quer fazer), ela não atende ao telefone, esquece instruções, ignora
regras, falta a encontros, enfim, procura frustrar a expectativa do outro de forma
dissimulada, ignorando-o.
Quando
tomamos consciência dos Jogos de Poder, podemos usar antíteses, interrompê-los
através do exercício de respostas cooperativas, pacíficas, que desobedecem às
manipulações e abuso de Poder com propostas criativas de negociação. Esta é a
forma de usar o outro lado do poder. É a substituição do Controle pela Cooperação.
Logo no
início da obra, Steiner descreveu: “Desejo viver confortavelmente com os amigos
íntimos que amo e com minha família... Quero ser guiado pela minha consciência
em todas as minhas ações. Almejo envelhecer, ficar com a pele áspera e ser respeitado
pela minha vida e por meus feitos”. Suas últimas palavras em Ukiah, ao deixar a
vida terrena foram: “como sou sortudo”.
Posso dizer
que também me considero sortuda por ter conhecido as ideias de Claude Steiner.
Quero ser guiada em minha consciência para praticá-las.
Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga clínica especialista em Análise
Transacional e consultora de empresas.