segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O LADO B DO PODER

Em uma manhã encalorada deste verão, pensei em Claude Steiner ao esbarrar meus olhos em uma de suas obras repousando na minha estante. Algumas horas depois, constatei que estávamos exatamente no dia do nascimento deste mestre querido. Enviei uma tímida mensagem, cumprimentando-o, encorajada pelas respostas sempre gentis que ele me dirigiu em outras ocasiões. Mas esta mensagem ele não pôde responder. Naquele dia, Steiner estava às margens do lago em seu rancho em Ukiah, Califórnia, rodeado pela família, despedindo-se da sua passagem pela Terra. Segundo sua filha Mimi, ele se foi “olhando para a água, ouvindo música, chorando e rindo a beleza da vida”.
Voltei até a estante e peguei aquele livro. Com as folhas amareladas e com o texto grifado até não poder mais, a primeira página tinha minha letra reproduzida pela esferográfica registrando que eu o havia adquirido em 1988 em um dos Congressos de que participei. Dentro do livro, encontrei um registro mais precioso: minha foto com Steiner, em encontro que tivemos em 1992. Folheando e lendo alguns parágrafos grifados, observei o quanto este mestre querido esteve muito além do seu tempo. Como são atuais suas ideias publicadas na década de 80, sobre o uso do poder para mudar padrões de relacionamento interpessoal, grupal e social de forma cooperativa, pacífica e construtiva: o outro lado do poder.
Jogos de poder são transações tóxicas, desonestas, manipuladoras, para fazer com que as pessoas façam o que o jogador quer que elas façam e ainda (pasmem!), tendo a sensação de gostar de fazê-lo.
Steiner ensinou a identificar e compreender os Jogos de Poder. Mais que compreender, ele ensinou a responder aos Jogos e manipulações desbancando o abuso do Poder nas relações sociais, políticas, familiares, conjugais.
 O uso e o abuso do Poder acontecem de forma sutil, suave, elegante. Fingir não ter poder algum é uma forma requintada de usar o Poder.  O abuso requintado do Poder é a capacidade de persuadir o outro a desejar o que você deseja.
Há uma crença na qual, Poder e Sucesso andam juntos. Neste cenário, acrescenta-se a Competição: para se sentir poderosa, a pessoa precisa minar o poder do outro. Este mundo tendencioso é lamentavelmente bidimensional – só existem duas alternativas: tudo ou nada, branco ou preto, isto ou aquilo, ganhar ou perder, você é meu amigo ou é meu inimigo, está no meu time ou contra mim, faz tudo que eu quero ou não me ama. Através da intimidação apoiada no medo das pessoas e na exploração da culpa, das ameaças sutis e veladas às agressões e torturas, o jogador também pode fazer uso das mentiras descaradas ou segredos e meias-verdades, mexericos e boatos.
Sentimentos de amor e desejos de dominar os movimentos do outro (controle) são confundidos nos relacionamentos conjugais gerando ciúme e posse.  O uso e abuso de poder nas relações conjugais ocorrem sutilmente, protegidos pela fachada de “casal 20”, beijocas, elogios mútuos e tudo o mais. Agressões passivas, controle exacerbado, cobranças. Ciúme possessivo deve ser diferenciado do ciúme que questiona a validade da relação afetuosa diante da violação de um acordo de mutualidade do amor entre duas pessoas, onde uma delas se sente em déficit.
                Nações são governadas com o uso e abuso do Poder a serviço das vaidades pessoais. A ficção na série House of Cards mostra como e os jornais também. O cenário político mundial está impregnado de Jogos de Poder, um verdadeiro cassino cujo saldo final é a miséria em todos os sentidos, sobretudo a miséria de caráter. A forma mais triste de Jogo de Poder chama-se Guerra, com armas ou sem, destruindo vidas, ceifando sonhos, semeando discórdia, incendiando conflitos, favorecendo grupos, corrompendo pessoas e instituições.
Para fazer o contraponto, há um conjunto de Jogos de Poder que são defensivos e levam o jogador a atingir suas metas passivamente. Geralmente acontecem quando a pessoa não quer fazer algo que o outro deseja que ela faça. Para se esquivar (ao invés de dizer que não quer fazer), ela não atende ao telefone, esquece instruções, ignora regras, falta a encontros, enfim, procura frustrar a expectativa do outro de forma dissimulada, ignorando-o.
Quando tomamos consciência dos Jogos de Poder, podemos usar antíteses, interrompê-los através do exercício de respostas cooperativas, pacíficas, que desobedecem às manipulações e abuso de Poder com propostas criativas de negociação. Esta é a forma de usar o outro lado do poder. É a substituição do Controle pela Cooperação.
Logo no início da obra, Steiner descreveu: “Desejo viver confortavelmente com os amigos íntimos que amo e com minha família... Quero ser guiado pela minha consciência em todas as minhas ações. Almejo envelhecer, ficar com a pele áspera e ser respeitado pela minha vida e por meus feitos”. Suas últimas palavras em Ukiah, ao deixar a vida terrena foram: “como sou sortudo”.
Posso dizer que também me considero sortuda por ter conhecido as ideias de Claude Steiner. Quero ser guiada em minha consciência para praticá-las.

Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga clínica especialista em Análise Transacional e consultora de empresas.