“Sim,
tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade
e da natureza, nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste,
porque te foste. ”
Carlos
Drummond de Andrade
Ressignificar é um processo de modificação
do filtro pelo qual percebemos os acontecimentos. Podemos dar novos significados
a eles a partir da mudança na percepção que temos do mundo. Consiste em
perceber de uma nova maneira aquilo que já estava formatado no nosso sistema de
valores e crenças. Quando mudamos o filtro, mudamos o significado.
Ao ressignificar, aprendemos a
pensar e sentir de outro modo sobre os fatos da vida, com novos pontos de
vista, levando outros fatores em consideração. Por exemplo, temos um copo com
um líquido pela metade. Podemos colocar o foco na metade do copo que está vazia
ou passar a perceber a metade que está preenchida com o líquido. Da escassez,
mudamos a percepção para a abundância.
Nós percebemos as coisas como
somos. O livro “Polyana”, um clássico da literatura, de autoria de Eleanor
Porter, publicado em 1913, mostra a habilidade de ressignificar, através da
protagonista da história. Polyana passa a praticar o jogo do contente, que
consiste em perceber algo de positivo em suas experiências negativas. Neste
jogo mental, ela evita a dor.
Há o perigo do polyanismo extremo,
que seria a negação da dor, excesso de otimismo não realista, maníaco. Neste
caso, a ressignificação torna-se doentia, patológica. Ocorre quando não
delimitamos espaço, posicionando-nos de forma a evitar confrontos o tempo todo,
aceitando e nos acostumando com os estímulos negativos. Isso pode acontecer
quando, diante dos estímulos negativos que nos provocam dor, pensamos: a vida é
assim mesmo, ruim com isso, pior sem isso, é o meu carma, deixa pra lá que é
melhor.
Na minha prática clínica ouço
muitas queixas de casais um tanto quanto acostumados com a dor da indiferença,
da hostilidade, do erotismo em detrimento ao romantismo, apegados a muitos
motivos para continuarem juntos e infelizes, sem considerar a possibilidade de
qualquer tipo de ressignificação sobre o relacionamento. Seguem ambos com suas
válvulas de escape para sobreviverem emocionalmente, com suas algemas
invisíveis machucando a alma por não saberem lidar com suas dores relacionais.
Experiências dolorosas e
traumáticas são tratadas através da ressignificação envolvendo o perdão e neste
processo, a cura interna é atingida quando a pessoa consegue relembrar a
experiência dolorosa e traumática de uma forma nova, percebendo os benefícios
de tê-la vivenciado.
Diante de realidades sombrias,
temos a possibilidade de conduzir a vida em outras direções, entendendo
adversidades como aprendizado. Quando as coisas não acontecem da forma como
desejamos, podemos pensar: qual é a mensagem que a vida me proporciona com
isso? Neste processo, não existe fracasso. Ocorre sucesso ou aprendizado. É o
que Eric Berne, psiquiatra canadense, propõe através de seu método de mudança
positiva de conduta. Ao rever crenças, valores, decisões precoces, podemos
abandonar um estilo de vida disfuncional e desenvolver um plano de vida realista
e consciente, livre de Script e, portanto, ressignificado.
Podemos ressignificar sentimentos,
quando por exemplo, nos desapegamos de um relacionamento. Como continuar
investindo tempo e energia em algo que deixou de ser gratificante, prazeroso,
recíproco? O relacionamento pode ser ressignificado e continuar existindo,
porém em outro formato.
Ressignificamos propósitos e
objetivos, quando desistimos de um projeto, uma faculdade, um curso, um emprego.
Com consciência, abrimos mão de coisas que deixaram de ser importantes. Desistir
de algo que não faz mais sentido não é um fracasso, e sim uma ressignificação.
Muitos profissionais me procuram para fazerem orientação de carreira, buscando
ressignificar a área profissional. São bem-sucedidos, mas não estão felizes na
carreira que escolheram. Ou até mesmo, dentro da própria carreira escolhida,
querem direcioná-la para outros caminhos.
A história de Viktor Frankl,
criador da Logoterapia, é outro exemplo de ressignificação. Ele viveu na época
dos campos de concentração nazistas, sendo prisioneiro em um deles. Escreveu
livros nesta época e acreditou em dias melhores. “Quando a situação for boa,
desfrute-a. Quando a situação for ruim, transforme-a. Quando a situação não
puder ser transformada, transforme-se”, dizia ele.
Ressignificar implica em sair da
vitimização, responsabilizar-se por sua vida, suas decisões. Você escolhe até onde
quer ir na toca da raposa.
Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga CRP 06/15951, especialista em Análise Transacional, diretora da Ego Clínica e Consultoria. 17 997724890 (whatsApp)