publicado em 23 março 2014 Revista Bem-Estar, Diário da Região
Você conhece
alguma pessoa que é certinha? Irritantemente certinha? Sim, aquela pessoa que
está composta o tempo todo, nenhum fio de
cabelo fora do lugar, não sai da linha por nada nesse mundo. A roupa não amassa
jamais. Se for mulher, o batom não sai, o perfume não vence. Se for homem, a
barba parece que nunca cresce. O carro está sempre impecavelmente limpo, a casa
rigorosamente arrumada. Na academia, ela não transpira e se o fizer a toalhinha
perfumadíssima imediatamente entra em ação. O tom de voz é invariavelmente doce,
suave, manso e bem colocado. Tudo nela se traduz em “estou cem por cento no
controle”. As fotos no facebook? Só
alegria! Não aparecem rugas, imperfeições, mas os melhores ângulos. Não sai da
linha nunca, jamais, em tempo algum. Sua vida é poética. Aliás, é uma daquelas
histórias de contos de fadas. Aquelas com o final feliz, em qualquer hora do
dia.
A pessoa
certinha demais geralmente é adorada, admirada, querida, amada, venerada,
invejada. Mas ela é certinha demais. E por que demais? Porque o exagero acaba
atrapalhando os relacionamentos e o desconforto em não se mostrar como
realmente é. Isso não é bom? Tem um preço.
Pessoas
certinhas demais causam tanta, mas tanta admiração que provocam distância, às
vezes abismo, entre elas e os simples mortais, que revelam uma versão de si,
mais do tipo “a vida como ela é”. A certinha demais se esforça para passar uma
imagem impecável para sentir-se aceita, para não sofrer com qualquer possibilidade
de rejeição. Mas, o excesso da impecabilidade assusta e acaba mais distanciando
do que a aproximando das pessoas.
O empenho todo
em ser corretíssima garante-lhe um bocado de carícias positivas condicionais.
Um simples deslize, que seria aceitável para qualquer um, acaba se
transformando em algo que mancha a perfeita e correta imagem construída, devido
à alta expectativa criada em torno de sua conduta e apresentação. Os grandes
ídolos e celebridades consagradas sofrem com a construção desta imagem junto
aos seus fãs e junto àqueles que caçam obstinadamente os erros e inadequações
para mostrar que a imagem construída é de barro. Outras personalidades do mundo
artístico, mais orientados e sensatos, gostam de se apresentarem como realmente
são, sem se importarem com o impacto negativo causado e acabam transformando
este impacto em positivo.
Regina Duarte
certo dia tomava café ao meu lado, no aeroporto de Congonhas e muitos nem a
notaram tal a simplicidade da postura. Confesso que tive que confirmar com meu
olhar (discretamente, coloquei até os óculos!) para ter certeza de que era ela,
ali, sorvendo um expresso com pão de queijo, mastigando, engolindo como simples
mortal, numa produção confortável sem se preocupar com as possibilidades de
assédio.
Julia Roberts
é alvo de fotógrafos que adoram clicar seus looks casuais muito criticados pelo
excesso de improvisação. E daí? Por que pessoas famosas ou não têm que se
preocuparem com a impecabilidade vinte e quatro horas por dia, se elas não sofrem
deste mal de querer ser certinha demais?
Podemos
desfrutar do conforto de não estarmos rigorosamente corretos como se fosse um
pecado não corresponder às expectativas de perfeição construídas nas mentes que
necessitam deste referencial. Não estou falando apenas de aparência. Falo de
toda e qualquer gafe e escorregada que alguém possa dar, em algum momento em
algum lugar. E dane-se quem está de tocaia para jogar “agora te peguei!”.
Quanta energia e tempo desperdiçado para manter uma patologia. Viva a
espontaneidade! Vamos ser quem somos e pronto.
Kátia Ricardi de
Abreu
Psicóloga (CRP
06/15951-5) Clínica especialista em Análise Transacional, consultora de
empresas, palestrante, escritora.
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