publicado no livro "Natal em palavras", pg.75
Abro
a agenda e o pensamento logo desabrocha da mente e às vezes escapa pelos
lábios: nossa, o Natal está chegando! Já? Como passou rápido o ano!
Para
mim, a magia do Natal está nos pequenos detalhes e além dos bonecos de Papai
Noel, árvores, luzinhas e arranjos. É um tempo que convida à renovação e
atualização de planos, entrar em um processo intenso de cura emocional, fazer
uma faxina interna, renascer.
Nesta época do
ano, deixo a nostalgia chegar intensa. Não tem como ficar sem lembrar o gosto
do encontro ao redor daquela mesa na casa dos meus avós. Logo ao entrar pela porta da sala ainda criança eu avistava a
árvore de Natal caseira, feita de um galho de jabuticabeira, com jatos de spray
prata e algumas bolas coloridas. Vozes, muitas vozes vinham de todos os
cômodos. Uma algazarra total. Movimento, vida, alegria, encontros com tios,
primos e algumas pessoas estranhas. Observadora, não demorei em concluir que os
“estranhos” eram visitantes e convidados da dona Tita - como era chamada minha
querida e amada avó. Meu avô distribuía martelos da sua coleção para pequenos
consertos domésticos e assim quebrarmos as castanhas, naquela época com preços
mais acessíveis no mercado. O barulho dos martelos na mesa de madeira quebrando
nozes e avelãs me convidava a imaginar os anões do Papai Noel fazendo os
brinquedos na Grande Oficina do Polo Norte.
Presentes?
Ora, presentes... Foram apenas detalhes nestes dias incomuns de minha vida. Não
havia presente maior e melhor para mim do que este: minha família ali
aguardando o relógio carrilhão da sala de jantar dar as badaladas da meia
noite. Silêncio. Nem um “pio” nesta hora. Ao redor das mesas juntadas em
formato banquete, todos em pé, ouviam a prece feita por meus avós. Eles
agradeciam tudo que estava acontecendo ali, em nossas vidas e pediam para Jesus
abrandar o sofrimento de todos os doentes nos hospitais e das pessoas que
estavam distantes daqueles que amavam. Nesta parte da oração minha garganta
ficava como se uma mão invisível estivesse apertando-a e eu pensava que quando
ficasse adulta faria alguma coisa para aliviar o sofrimento das pessoas, de
alguma forma. Uma decisão precoce para ser psicóloga?
Depois
da prece, quem não chorou acabava chorando: todos se abraçavam, sem exceção. Se
alguém ali havia se desentendido com alguém, era a hora de se reconciliar, sob
os olhares vigilantes das autoridades na cabeceira da mesa (vovô e vovó). Sim,
esperávamos Papai Noel. Porém, mais que presentes, ele nos trazia a alegria de
pertencer, de sonhar, de amar. Para perpetuar a reunião familiar, dona Tita
tinha um gravador com um microfone e cada um era entrevistado, deixando ali sua
mensagem de Natal. Tenho todas as fitas cassetes guardadas até hoje, um
registro histórico dos nossos encontros de Natal.
Sou muito grata aos meus avós por este legado. Quando
cresci, minha avó Tita me passou a incumbência de fazer a oração. Aceitei, mas
nunca consegui faze-la com o mesmo fervor.
Desejo a vocês leitores, que misturem os odores e sabores
do Natal com a alegria de estarem com as pessoas que amam. Assim, esta data sempre será inesquecível.
Feliz Natal!
Kátia Ricardi de Abreu
www.katiaricardi.com.br
www.katiaricardideabreu.blogspot.com.br
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