DA
LAVANDERIA PARA O MUNDO
publicado no livro "Presença da Mulher", TSH Editora
Manhãzinha
calma e tranqüila dentro de mim. Abro meus e-mails ao mesmo tempo em que entro
na página do facebook para saber como estão meus amigos virtuais, quando Lelé
Arantes me chama no bate-papo e diz: “Kátia, você pode escrever algo sobre a
mulher?”
Impossível
dizer “não” para este tema tão fascinante. É como entrar no túnel do tempo e
rever os flashes da História, misturada nela que estou, pela minha simples
condição de mulher. É juntar o antigo com o moderno na arquitetura
comportamental desta intrigante e inquieta alma de mulher. Então, cá estou eu, nesta tarde de domingo
ensolarado, com o notebook na lavanderia da minha casa, tentando escrever ao
mesmo tempo em que aguardo a máquina de lavar roupas terminar a centrifugação
para poder estendê-las no varal.
UM TEMPO DE
DÚVIDAS E ANGÚSTIAS:
Faço uma
retrospectiva de tudo o que já escrevi sobre a mulher nas últimas décadas e
encontro um dos primeiros textos, quando estava descobrindo que é possível
trabalhar, ser mãe e dona de casa ao mesmo tempo. Naquela época, muitas
mulheres saíam para trabalhar com culpa por deixarem seus filhos em casa, com
babás, creches ou avós. Chegavam a abandonar temporária ou definitivamente a
carreira profissional para cuidar dos filhos.
Anterior aos
filhos, muitas mulheres tinham que optar entre carreira e casamento. “Por que
você deixou o seu último emprego?” – era uma das perguntas que eu fazia na
entrevista para recolocação profissional na Secretaria de Emprego e Relações do
Trabalho do Estado de São Paulo. A resposta mais freqüente era: “parei para
casar”.
O trabalho
foi, durante muito tempo, uma forma de sobrevivência para a mulher, sem a menor
chance de somar a isso, algo próximo à realização. A partir do momento em que
ela encontrava um provedor, ajustava-se à expectativa da sociedade machista e
abandonava o trabalho. A própria estrutura social induzia a isso, tendo em
vista a escassez e despreparo das creches e escolinhas particulares. A mulher
não conseguia conciliar a vida profissional com o casamento e o cuidado aos
filhos, por falta de estrutura emocional e social.
“Nosso lugar é
no mundo e não apenas na cozinha” – foi o que escrevi no artigo “Guerreiras”,
publicado cerca de 25 anos. Viva! Hoje,
estou eu aqui na lavanderia neste domingo ensolarado, com este notebook
conectado ao mundo. Nosso lugar não é apenas na cozinha, nem apenas na
lavanderia.
EVOLUÇÃO E
CONQUISTAS:
Devemos
agradecer a muitas mulheres como Alzira Soriano, Ana Pimentel, Maria Quitéria,
Maria Bonita, Leila Diniz, Escrava Bernarda, Maria Lenk, Fernanda Montenegro,
Chiquinha Gonzaga, Luz Del Fuego, Marquesa de Santos, Princesa Isabel, Chica da
Silva, Condessa de Barral, que abriram caminhos para que estivéssemos na
posição atual.
O frágil sexo
forte mereceu conquistas como a pílula anticoncepcional, nos anos 60, o divórcio
em 1977, a invenção das fraldas descartáveis em 1951, e do sutiã que livrou a
mulher de apertados espartilhos, em 1914; o absorvente descartável em 1930, o “ohne
binden”, que significa “sem absorvente”, mais conhecido como O.B., em 1974 no
Brasil, o aspirador de pós em 1901 e a máquina de lavar roupas em 1915 (olha
ela aqui, graças a qual escrevo estas páginas!).
Tudo isso e
muito mais contribuiu para que a mulher se tornasse mais livre e versátil, para
poder se manifestar no mundo do trabalho pelo prazer da realização e não
apenas, para sobreviver enquanto aguarda o casamento.
Em poucas
décadas, a evolução da mulher no mundo ocidental tornou-se cada vez mais
acentuada no que diz respeito a seus direitos. Ficou mais acessível a entrada
no mercado de trabalho, no meio universitário e soma-se a isso, a descoberta de
novas formas de se conduzir no amor. A saída do universo doméstico e do
exclusivo cuidado com os filhos conduziu-a para um espaço público antes
reservado apenas aos homens.
UM POUCO DE ESTATÍSTICA:
Segundo o
IBGE, existem 3.941.819 milhões de mulheres a mais que homens no Brasil. A taxa
de participação das mulheres na População Economicamente Ativa (PEA) é
consideravelmente superior à média latino-americana (55% contra 45%), mas é
inferior à média dos países desenvolvidos, de acordo com o relatório da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentado em 2003.
As mulheres inseridas no mercado de trabalho
dedicam 22,1 horas por semana às tarefas da casa, enquanto os homens gastam
apenas 9,9 horas com essas atividades. Apesar de apoiar a ida da mulher para o
mercado de trabalho, apenas 6,1% dos homens dividem as tarefas domésticas com
elas. A dupla jornada ainda é a realidade da mulher brasileira.
Durante a
semana, a jornada diária da mulher é de 502 minutos, 5% maior que a do homem
(480 minutos). No fim de semana, a jornada diária da mulher é de 326 minutos,
62% maior que a carga masculina (201 minutos), segundo dados da pesquisa da
socióloga Neuma Horizonte, em 2002.
Os filhos e o
emprego vêm em primeiro lugar para 52% das mulheres brasileiras.
No Brasil, 50%
da mão de obra economicamente ativa estão representadas pelas mulheres. Na
política, as mulheres ocupam menos de 10% dos cargos existentes, embora a liderança
maior do país atualmente esteja representada por uma mulher.
Cerca de 40%
do mercado de trabalho é composto por mulheres nos mais diversos cargos e
funções. Das 100 melhores empresas para se trabalhar, no Brasil, só 7,7% têm
diretoras e a questão que está por trás disso é o preconceito. Uma bobagem! O
universo do trabalho lucrou com o ingresso das mulheres e a dinâmica familiar
obteve benefícios da contribuição masculina, de tal forma que as diferenças se
completam na formação de uma sociedade onde poderá não existir privilégio de um
gênero sobre o outro.
.
OS EXTREMOS DA
VIOLÊNCIA:
No mundo, a
cada cinco dias de falta da mulher no trabalho, um é decorrente de violência
sofrida no lar. Segundo a ONU, o Brasil deixa de aumentar em 10% o PIB em
decorrência da violência contra a mulher.
Mas não é
apenas este tipo de violência que ocorre. A mulher está proporcionando
violência a ela própria. Com filtro solar e sem cair dos saltos altos, a mulher
passou de guerreira, a avassaladora, conquistou sua liberdade e transferiu a
submissão dos homens para os padrões de beleza externos. Não basta ser
inteligente, competente, bem sucedida e realizada profissionalmente. Ela se
cobra ser magra, bonita, bem cuidada, corpo perfeito, sempre jovem, mãe
compreensiva, dedicada, bem humorada, amante ardente e bem disposta, além, é
claro, de economicamente independente. Que amplitude de exigências!
O excesso de
demandas do cotidiano da mulher é o preço que ela está pagando por não saber
lidar com as conquistas de forma equilibrada. Parece que o mundo vai acabar nas
próximas horas e ela não pode respeitar a si, permitindo-se não sucumbir aos
exageros da evolução tecnológica da beleza. Sepultar a celulite, as rugas e os
complexos físicos, não deve ser mais importante do que a sua maturidade
emocional.
A mulher pode
desfrutar da tecnologia em prol da juventude, carregando na bolsa, além do
filtro solar, a bagagem do que já viveu e as mágoas que chorou, para que a
ênfase na aparência física em detrimento de sua capacidade intelectual não
diminua seu valor. Pode aprender a lidar com a solidão, vencer o sentimento de
culpa, encontrar um ponto de equilíbrio para o consumo excessivo, deixar de ser
escrava de padrões de beleza absurdos e abandonar a tirania da balança, da
moda.
Por outro lado,
pode ter a alegria de escolher com quem, onde e como quer ir, desenvolver
relacionamentos saudáveis, com autonomia, ao invés do tradicional “Eu só vou se
você for”, “Você só vai se eu deixar”.
COMPORTAMENTO
SEXUAL:
Observa-se
que hoje, o sexo não é mais o componente final de uma relação. Pelo contrário,
ele faz parte dos itens que levam a decidir querer ou não querer um
compromisso. É uma mudança significativa no comportamento feminino, tendo em
vista toda a repressão que havia na educação das mulheres há tempos atrás.
O
médico, psicoterapeuta sexual Flávio Gikowate distingue a mulher sexualmente
madura da mulher exibicionista.
Segundo
ele, a mulher moderna passou a amadurecer não só emocionalmente, mas sexualmente,
de tal forma que ela decide se adentrar num relacionamento pelo simples prazer
lúdico da relação. Ela não quer compromisso, não quer nada em troca. Quer se
divertir, quer brincar na cama. Geralmente, ela é naturalmente sedutora,
exuberante, resolvida e o conjunto de suas qualidades a destaca de mulheres que
possuem uma beleza padrão sem mistérios. Esse tipo de mulher deve ser
distinguido da mulher exibicionista também sedutora, que sofre de profunda
imaturidade emocional, segundo Gikowate, caracterizada por forte egoísmo e
baixa tolerância às frustrações; ela usa o intelecto aliado à sensualidade como
instrumento para atingir seus objetivos. Apenas promete, mas foge da relação sexual porque seu objetivo não é o
sexo. É a instrumentalização da sexualidade feminina a serviço de outros
propósitos que não o prazer. Trata-se de
uma armadilha consciente ou não.
A
mulher sexualmente resolvida está a procura do homem sexualmente resolvido, que
tem sensibilidade suficiente para distinguir o que está em jogo na hora da
sedução. As armadilhas não fazem parte de seu repertório comportamental e ela
se ofende quando não é tratada de acordo com sua clareza de intenção. Ela não
precisa de subterfúgios nem de armadilhas porque atinge seus objetivos de forma
auto-suficiente, independente, ficando a sexualidade livre para ser exercitada
como fonte de prazer.
Mulheres
resolvidas não têm ressaca moral, porque há uma liberação interna para o sexo
como há para todas as demais áreas antigamente consideradas tabus no universo
feminino. Elas têm a razão fortalecida, autocontrole, segurança, ousadia para
falar e para agir, auto-estima elevada, sabem viver o desejo com intensidade
sem que isso interfira nas demais áreas de sua vida.
Por
todo este conjunto, elas acabam se sentindo atraentes e competentes ao ponto de
não se preocuparem com a perfeição física; sabem que a sensualidade não depende
de beleza física, mas de todo um conjunto. Beleza e sensualidade são coisas
distintas e nesta competição, a sensualidade ganha no sentido de provocar o
desejo e o interesse dos homens.
Alguns
homens ainda insistem em colocar as mulheres como farinha do mesmo saco. Com isso, os desencontros acontecem e muitas
oportunidades se perdem por não haver um refinamento perceptivo sobre quem está
diante de quem. Acredito que seja por este motivo que muitas mulheres acabam se
machucando e também colocando os homens como farinha do mesmo saco.
Na
minha experiência clínica observo pessoas interessantes e belas, com muitas
qualidades, em busca de romance, mais do que qualquer outra coisa. Mas o medo
ainda as atrapalha quando estão diante daquilo que procuram.
Fugir
do prazer alcançável é a covardia justificada pela ausência de sensibilidade
competente para distinguir que nada poderá acontecer sem que as duas partes
realmente queiram.
A
mulher sensual e sexualmente resolvida descobre-se diante do homem resolvido
quando ambos se permitem exercitar o lúdico de uma relação.
ENTRE
MULHERES:
Estudiosos
observam que a igualdade entre homens e mulheres nunca foi aceita. Eu arrisco
dizer que nunca foi aceita até mesmo pela própria mulher, que passa a
discriminar a si ou discriminar outra mulher, principalmente dentro do universo
corporativo.
Não são raros
ataques invejosos, competições desonestas e assédio moral entre as próprias
mulheres no ambiente de trabalho, principalmente quando a competência evidente
é mais um atributo a ser agregado à condição feminina.
Na opinião de
Lívio Callado, ator e professor de Marketing Pessoal e Etiqueta Empresarial, as
mulheres competem entre si, naturalmente.
Se a mulher
aprendeu a conviver com as diferenças entre ela e os homens nos assuntos de
rotina profissional, outro passo é aprender a conviver com as possíveis
diferenças entre elas.
Causa-me
perplexidade os jogos de poder entre as mulheres, que relutam em reconhecer
capacidades, competência e liderança entre si, criando conflitos que desgastam
as relações interpessoais.
Tudo o que foi
conquistado para superar as distâncias que separavam a mulher do homem ao longo
da História, através de direitos trabalhistas, do exercício diário de
destruição do modelo frágil, agora pode ser avaliado como positivo: a
humanidade sabe que homens e mulheres se enriquecem com suas diferenças.
Se um dia, as
mulheres se uniram para vencer a discriminação e tantas outras doenças sociais,
não faz sentido que utilizem a inteligência, poder e capacidade para construir
a presente desunião que faz minar os esforços grupais. Seria uma mudança da
posição de dicriminada para discriminadora?
A mulher aprendeu
a se fazer respeitar com a sua postura, sua força criadora, e hoje dá a sua contribuição
no mundo conquistando cada vez mais a igualdade diante de uma sociedade eminentemente
machista.
Penso que o
momento é também de conquistas internas, através do autoconhecimento, que pode
levar a muitas mudanças no lar, nas empresas e organizações, no que diz
respeito ao relacionamento da mulher com o mundo e sobretudo com a própria
mulher.
CONCILIANDO
TRABALHO E REALIZAÇÃO:
A mulher
conquistou espaço no mercado de trabalho com as qualidades altamente
valorizadas tais como flexibilidade, capacidade de negociar, mediar, inovar, e
aprendeu a conciliar papéis. Poderá construir uma nova história, na qual
juntamente com o homem, encontrará novos pactos de convivência e novas
referências de relacionamentos públicos e privados.
Com
a roupa lavada e estendida no varal, posso finalmente me sentar na varanda e
assistir ao espetáculo do pôr-do-sol. Mas antes disso, com apenas um clique no
mouse, da lavanderia para o mundo, vai este texto para você leitor (a).
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