quarta-feira, 8 de março de 2017



A AMÉLIA DE HOJE 

“Que, finalmente, o outro entenda que embora às vezes me esforce, não sou nem devo ser a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa ... Uma Mulher!” Lya Luft


            Ter sucesso profissional sem deixar de ser excelente dona-de-casa, mãe exemplar com filhos exemplares, amante fogosa com um corpo impecável, rosto sem rugas e belas pernas. É a armadilha perfeita. A mulher que busca atingir todos estes quesitos vai encontrar muita frustração e conviver com muita culpa.
            Liberdade já não é mais problema externamente. A mulher pode fazer tudo o que um homem faz. A briga agora, é outra: a conquista da liberdade interna, que só pode ser concedida pelo superego.
            A Amélia de hoje não é perfeita, não dá conta de tudo e muitas vezes se perde e se confunde com estes andróides padrões de beleza que muitas vezes, levam ao exagero; desajeitada numa imagem corporal idealizada (por quem?), corre o risco de se desconectar de sua essência, privando-se daquela que realmente é. Estressada, agoniada, deprimida quando não respeita seus limites e fraquezas, ela busca uma carreira meteórica em detrimento da qualidade de vida. Não satisfeita em dar o melhor de si, embarca em cobranças irrealistas e estabelece competições absurdas, querendo quebrar o próprio recorde da polivalência perfeita.
            A escritora e psicoterapeuta Lídia Aratangy propõe um estilo de vida realista onde a mulher é dona de si, dona de sua história e sabe se ouvir para traçar o seu destino, de tal forma que não se submete a uma vida olímpica e perfeita. Dá o melhor de si para que o mundo seja melhor, sem se esquecer que é uma simples mortal, dotada de fraquezas e limitações.
            A escritora nos lembra que muitas bandeiras já foram erguidas pela mulher através dos tempos para romper barreiras e conquistar espaços no mundo e convida as mulheres a hastear agora, a bandeira da trégua e do descanso, para olhar para a vida com orgulho do que está conseguindo fazer, reconhecer o que já conquistou e caminhar em frente respeitando seu ritmo, que não é lento; é simplesmente humano. A Amélia de hoje pode conquistar a sua própria tolerância e assim, ser respeitada pelo outro, lembrando-o de que chegou a sua vez do quebra-encanto. A mulher já compreendeu, há muito, que não existem príncipes encantados (ou ainda há quem acredita nisso?) Agora, é a vez dos homens compreenderem que não existe a mulher maravilha.
            Oxalá destituídas de onipotência possamos agendar compromissos do tamanho de nossas pernas, considerando o dia com 24 horas ao invés de cobrarmos as pendências resultantes de uma voracidade em produzir muito mais do que nossa capacidade humana nos permite. Definitivamente, não está mais na moda ser workaholic (e olha que eu já fui - mas consegui me curar!). Ser competente também é conquistar o caminho do equilíbrio, de tal forma que a vida se torna pacífica, apesar de todos os surpreendentes desencontros e variáveis desagradáveis que até mesmo a natureza está nos proporcionando.
            Na bolsa da mulher, indispensável ainda é o batom que tem que dar espaço agora também para o filtro solar. No coração, indispensável é a ternura e a sensibilidade para perceber desejos e necessidades, acompanhados de sua impotência para atender a todos eles.

Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga Clínica especialista em Análise Transacional, Consultora de empresas e escritora.

terça-feira, 7 de março de 2017


MUITO ALÉM DAS FLORES...

Embora todo o arsenal de informação globalizada e tecnologicamente acessível em nossos tempos, há quem pense que o Dia Internacional da Mulher é um dia comercial, como o dia das mães, dos pais, dos namorados...
O dia 08 de março vai muito além das flores ou bombons. Trata-se de uma data histórica, onde 129 operárias perderam a vida num conflito com forças policiais nos Estados Unidos, em 1857 porque fizeram uma manifestação grevista em prol da redução da jornada de trabalho e do direito à licença-maternidade. O fato inspirou o filme hollywoodiano, cuja protagonista foi vencedora do Oscar por interpretar a operária Norma Ray.
Longe de querer ser feminista, ressaltar as conquistas da mulher através dos tempos tornou-se motivo de orgulho, principalmente quando sentimos na pele, em pleno século XXI, as manifestações veladas da discriminação (ainda!). A sutileza é grande, porém, não escapa à percepção feminina.
As características psicológicas e emocionais típicas do sexo feminino equalizam um estilo produtivo que deixa um resultado visivelmente positivo no cenário mundial:
A indiana Indira Gandhi, assassinada em 1984, foi presidente do Congresso indiano, primeira-ministra da Índia, sendo a primeira mulher a ocupar um cargo de chefe de governo numa sociedade de base patriarcal. Margaret Hilda Roberts Thatcher tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha e a primeira a liderar uma nação no Ocidente. A médica pediatra Verônica Michelle Bachelet foi eleita presidente do Chile e a física Ângela Merkel, desde 2005 é a primeira mulher a ocupar o cargo de chanceler da Alemanha. Temos também a presidente liberiana, Ellen Johnson-Sirleaf, primeira chefe de estado de um país africano. Nancy Pelosi é a segunda pessoa na linha sucessória presidencial dos Estados Unidos e entrou para a história americana em janeiro de 2007 ao se tornar a primeira mulher a presidir a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Braço direito do Presidente Bush, a secretária de Estado Condolezza Rice é quem lida com a parte internacional do governo norte-americano. Sem contar Hillary Diane Rodham Clinton, primeira mulher a tomar posse como senadora pelo estado de Nova York; mesmo depois de todos os problemas conjugais expostos ao mundo, preferiu não entrar no papel de vítima e ficar para a história como coitadinha. Ela buscou recursos para a pesquisa do câncer de mama e vacinas infantis e recebeu prêmios Fundação Humanitária Elie Wiesel e o Prêmio Martin Luther King em função do trabalho social desenvolvido.
Em terras tupiniquins, a mulher ocupa 13% dos cargos de direção, 41% da População Economicamente Ativa, 40% do mercado de trabalho, sendo que mais de 25% das famílias brasileiras são sustentadas por mulheres. Ainda, temos aquelas que dão reforço ao orçamento com trabalhos informais e aquelas que renunciaram a uma carreira profissional para serem o suporte para os homens irem à luta.
Este é o frágil sexo forte, que “todo mês sangra”! (Rita Lee teve sua música censurada durante muitos anos por causa destas três palavras inseridas na letra da música “Cor de Rosa Choque”).
É expressiva a contribuição da mulher na família e no trabalho, com seu perfil conciliatório.
“...Por isso, não provoque a cor de rosa choque.
Não, não, não provoque”... (Rita Lee)

Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga Clínica Analista Transacional, Consultora de Empresas e escritora.

sábado, 4 de março de 2017

EX



Ex-namorado, ex-marido, ex-esposa, ex-presidente, ex-funcionário, ex-ficante, ex-sogra, ex-isso, ex-aquilo. Uma das coisas mais difíceis é ser ex. Saber sair de cena com dignidade, equilíbrio e categoria.
Nas relações amorosas, ser ex é um verdadeiro teste de diplomacia. Já vi gente criar perfil fake para seguir o ex. O outro extremo também acontece: ignorar o ex, fingir que não o conhece. Não dá para se comportar como se a pessoa nunca tivesse feito parte da vida. Por mais traumático que tenha sido o relacionamento ou o rompimento, um dia a coisa foi boa, senão não teriam ficado juntos por algum tempo. O amor acabou (mesmo?), mas o respeito, a consideração, pode continuar e esta é a arte de ser ex.
Que coisa feia quando a pessoa sai falando para quem quiser ouvir, sobre aspectos da intimidade do ex. Conta seus defeitos, expõe seus pontos fracos mais constrangedores, diz que ele tem chulé, mau hálito e disfunção erétil. Que ela tem cabelo postiço, cheiro de bacalhau e ronca à noite. Barbaridade!
Os segredos do casal devem permanecer entre o casal mesmo que o relacionamento acabe. Abra o dicionário e procure pelo verbo “acabar”. Lembre-se de que o que acabou foi apenas esse relacionamento. Outros virão. E o principal: a vida não acabou. Poderá ficar melhor ainda com as lições sobre o que não fazer e o que fazer para ter uma relação amorosa duradoura.
Ciúme de ex é bizarro. A mulher não pode cumprimentar o ex, porque o namorado atual briga com ela, no estilo “teu passado te condena”. O homem tem que jogar fora o rolex e a caneta Montblanc presenteados pela ex porque a namorada atual é só chilique quando vê esses objetos. Ora, se ocorrem problemas com o ex, é porque ele ainda é! A separação física pode ter ocorrido, mas a psicológica, ainda não.
Ex-funcionário também pode dar “bafão”, sair falando mal da empresa e das pessoas com quem trabalhou. Jogar sinuca no boteco contando as intimidades corporativas e passando informações gratuitas, tomar cerveja com os ex-colegas de trabalho para atualizar as fofocas. Nada mais antiético!
A mídia revela diariamente o quanto é difícil ser ex. Prestem atenção nas declarações de ex-presidentes, ex-alguma-coisa na área política. É difícil voltar a ser um simples mortal depois de tantos holofotes, tapetes vermelhos, festas com mesas cativas, destaques em revistas e jornais e todos os aparatos do poder.
Ex-amigo é uma tristeza. Penso que amigos nunca deixam de ser amigos. Podem se afastar, se separar, se distanciar, se estranhar. Rompimento definitivo na amizade é sinal de decepção das grandes, quando se descobre que aquela criatura parecia ser uma coisa e era outra. O ex-amigo costuma deixar profundas cicatrizes na alma.

Passageiros chegam, passageiros partem na estação da vida. Assim também é no coração de cada um de nós. Reavaliamos e reformulamos constantemente nossos vínculos. Abrimos e fechamos ciclos de convivência. Como fazer isso de forma madura e saudável? Acenar sorrindo, despedir-se mansamente, sem amarguras faz parte da arte de ser ex.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O LADO B DO PODER

Em uma manhã encalorada deste verão, pensei em Claude Steiner ao esbarrar meus olhos em uma de suas obras repousando na minha estante. Algumas horas depois, constatei que estávamos exatamente no dia do nascimento deste mestre querido. Enviei uma tímida mensagem, cumprimentando-o, encorajada pelas respostas sempre gentis que ele me dirigiu em outras ocasiões. Mas esta mensagem ele não pôde responder. Naquele dia, Steiner estava às margens do lago em seu rancho em Ukiah, Califórnia, rodeado pela família, despedindo-se da sua passagem pela Terra. Segundo sua filha Mimi, ele se foi “olhando para a água, ouvindo música, chorando e rindo a beleza da vida”.
Voltei até a estante e peguei aquele livro. Com as folhas amareladas e com o texto grifado até não poder mais, a primeira página tinha minha letra reproduzida pela esferográfica registrando que eu o havia adquirido em 1988 em um dos Congressos de que participei. Dentro do livro, encontrei um registro mais precioso: minha foto com Steiner, em encontro que tivemos em 1992. Folheando e lendo alguns parágrafos grifados, observei o quanto este mestre querido esteve muito além do seu tempo. Como são atuais suas ideias publicadas na década de 80, sobre o uso do poder para mudar padrões de relacionamento interpessoal, grupal e social de forma cooperativa, pacífica e construtiva: o outro lado do poder.
Jogos de poder são transações tóxicas, desonestas, manipuladoras, para fazer com que as pessoas façam o que o jogador quer que elas façam e ainda (pasmem!), tendo a sensação de gostar de fazê-lo.
Steiner ensinou a identificar e compreender os Jogos de Poder. Mais que compreender, ele ensinou a responder aos Jogos e manipulações desbancando o abuso do Poder nas relações sociais, políticas, familiares, conjugais.
 O uso e o abuso do Poder acontecem de forma sutil, suave, elegante. Fingir não ter poder algum é uma forma requintada de usar o Poder.  O abuso requintado do Poder é a capacidade de persuadir o outro a desejar o que você deseja.
Há uma crença na qual, Poder e Sucesso andam juntos. Neste cenário, acrescenta-se a Competição: para se sentir poderosa, a pessoa precisa minar o poder do outro. Este mundo tendencioso é lamentavelmente bidimensional – só existem duas alternativas: tudo ou nada, branco ou preto, isto ou aquilo, ganhar ou perder, você é meu amigo ou é meu inimigo, está no meu time ou contra mim, faz tudo que eu quero ou não me ama. Através da intimidação apoiada no medo das pessoas e na exploração da culpa, das ameaças sutis e veladas às agressões e torturas, o jogador também pode fazer uso das mentiras descaradas ou segredos e meias-verdades, mexericos e boatos.
Sentimentos de amor e desejos de dominar os movimentos do outro (controle) são confundidos nos relacionamentos conjugais gerando ciúme e posse.  O uso e abuso de poder nas relações conjugais ocorrem sutilmente, protegidos pela fachada de “casal 20”, beijocas, elogios mútuos e tudo o mais. Agressões passivas, controle exacerbado, cobranças. Ciúme possessivo deve ser diferenciado do ciúme que questiona a validade da relação afetuosa diante da violação de um acordo de mutualidade do amor entre duas pessoas, onde uma delas se sente em déficit.
                Nações são governadas com o uso e abuso do Poder a serviço das vaidades pessoais. A ficção na série House of Cards mostra como e os jornais também. O cenário político mundial está impregnado de Jogos de Poder, um verdadeiro cassino cujo saldo final é a miséria em todos os sentidos, sobretudo a miséria de caráter. A forma mais triste de Jogo de Poder chama-se Guerra, com armas ou sem, destruindo vidas, ceifando sonhos, semeando discórdia, incendiando conflitos, favorecendo grupos, corrompendo pessoas e instituições.
Para fazer o contraponto, há um conjunto de Jogos de Poder que são defensivos e levam o jogador a atingir suas metas passivamente. Geralmente acontecem quando a pessoa não quer fazer algo que o outro deseja que ela faça. Para se esquivar (ao invés de dizer que não quer fazer), ela não atende ao telefone, esquece instruções, ignora regras, falta a encontros, enfim, procura frustrar a expectativa do outro de forma dissimulada, ignorando-o.
Quando tomamos consciência dos Jogos de Poder, podemos usar antíteses, interrompê-los através do exercício de respostas cooperativas, pacíficas, que desobedecem às manipulações e abuso de Poder com propostas criativas de negociação. Esta é a forma de usar o outro lado do poder. É a substituição do Controle pela Cooperação.
Logo no início da obra, Steiner descreveu: “Desejo viver confortavelmente com os amigos íntimos que amo e com minha família... Quero ser guiado pela minha consciência em todas as minhas ações. Almejo envelhecer, ficar com a pele áspera e ser respeitado pela minha vida e por meus feitos”. Suas últimas palavras em Ukiah, ao deixar a vida terrena foram: “como sou sortudo”.
Posso dizer que também me considero sortuda por ter conhecido as ideias de Claude Steiner. Quero ser guiada em minha consciência para praticá-las.

Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga clínica especialista em Análise Transacional e consultora de empresas.




segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O COMETA, O ECLIPSE E A ESPONTANEIDADE

 Estava dormindo e talvez sonhando, descansando para mais um dia de estudos e brincadeiras de criança, quando da porta da sala saiu enorme barulho. Batidas vigorosas misturadas com uma voz feminina familiar, insistiram até que alguém foi verificar o que estava acontecendo de anormal naquela hora da madrugada. Meus olhos se abriram e depois se fecharam, recusando entrar em contato com a realidade, seja ela qual fosse. Ouvi vozes dos meus pais misturadas com aquela voz feminina e familiar que se aproximou do meu quarto. Foi então que não pude mais conservar meus olhos fechados: diante da minha cama, estava uma tia querida, em êxtase, aos quase gritos:
- Kátia, venha para a rua ver o cometa!
Minha pouca idade não me permitia ter a noção exata do que estava acontecendo. Cometa? O que é isso? Parecia algo bom, pelo sorriso dela estampado no rosto. Todos saíram para a rua e eu segui o fluxo, ainda sonolenta. Olhavam para o céu e exclamavam: ahhh! Ohhh!
Confesso que fiquei muito mais impressionada com a capacidade da minha amada tia, em reunir a vizinhança na frente da minha casa para ver o cometa, do que com o próprio cometa.
No dia seguinte, no ponto de encontro da feira na vila, o assunto foi ela – minha tia – aquela que acordou um número considerável de vizinhos para ver uma coisa nebulosa no céu chamada cometa.
Assim como minha saudosa tia, existem pessoas que conseguem jorrar espontaneidade por onde passam, fazendo um estilo agregador e catalizador da alegria do grupo para cunhar momentos memoráveis, inesquecíveis.
A imagem que tenho em minha mente do tal cometa, é algo embaçado, uma bola branca e nebulosa no céu (na minha pesquisa tudo indica que foi o cometa Bennett). Com muito custo, consegui ver a “cauda” do cometa, que tanto falavam. No entanto, associei ao fenômeno astrológico à nítida imagem da minha querida tia, olhos brilhantes, sorriso aberto, saltitando pela cozinha enquanto minha mãe passava o café no coador de pano apoiado em um tripé de ferro. Sinto até agora o aroma do pó, misturado com o barulho das vozes com o gosto de alegria, de intimidade, de espontaneidade.
Nos tempos de outrora, a espontaneidade reinava com mais.... Espontaneidade!
Percebo atualmente a dificuldade de expressar espontaneidade nos movimentos da comunicação interpessoal. A intimidade nos relacionamentos está reduzida a uma versão modulada para mais distanciar do que aproximar. Com receio de invadir e de não se sentirem invadidas, as pessoas estão se preservando tanto que a naturalidade das emoções e manifestações de autêntica alegria em estar junto, envolvendo-se diante das coisas simples da vida, está sendo recebida quase como uma inconveniência. Parece que a comunicação se estabeleceu nos grupos sociais com um excesso de zelo pela imagem que vamos ou não vamos passar. Deixamos de nos permitir ser quem somos? Estamos entendendo os benefícios das trocas genuínas e autênticas das nossas emoções isentas de um diálogo interno opositor e crítico?
Outro episódio astrológico interessante e mais recente ocorreu na noite de 27 de setembro de 2015:  um eclipse lunar com condições favoráveis à olho nu, previstas para o Brasil. Aí sim, eu estava muito bem acordada e crescida. Passei o dia me preparando para assistir ao espetáculo. Porém, em determinado momento, o céu se encobriu de nuvens e não consegui ver o eclipse total. Mas tive a sorte de poder acompanhar o fenômeno através de meu filho, que estava em outro país e registrou com fotos, enviando as imagens enquanto as apreciava de lá. Perguntei a ele se a rua estava cheia de pessoas assistindo o eclipse, já que estava tão nítido. Imaginei minha tia nas terras do tio Sam neste momento, batendo nas portas. Mas, para minha perplexidade, meu filho me disse que estava sentado nas escadarias do prédio onde morava e que na rua havia apenas uma jovem falando com um policial, distanciados da singularidade do momento.  Segundo ele, apenas um rapaz saiu de um dos apartamentos, rapidamente fotografou com o celular o eclipse e entrou novamente, sem demonstrar alguma empolgação.
Os eventos astronômicos são belos, fascinantes. Cometas, estrelas, meteoros, eclipses, aurora boreal, chuva de meteoros, conjunção entre planetas e tantos outros, são como nossas fenomenais emoções que ocorrem dentro de cada um de nós e entre nós com intensidade e beleza. Nossa cultura alienante, afasta-nos lentamente da nossa capacidade de senti-las e expressá-las. Perdendo a consciência de quem somos, perdemos a espontaneidade. Sendo estranhos para nós, somos estranhos também entre nós e isso é triste.
Estamos qualificando as emoções presentes nas nossas comunicações e relacionamentos, transformando-as em benefícios para a nossa saúde? Estamos nos empenhando em estreitar os laços com nossos semelhantes, familiares, vizinhos, amigos?
Podemos resgatar nossa espontaneidade com a linguagem do amor, dando-nos atenção ao que fazemos e a quem somos. Desta forma, deixaremos a espontaneidade brotar da mesma base que dá luz à cada átomo no Universo. “Ser espontâneo é nascer a cada momento” – Alberto Caeiro

KÁTIA RICARDI DE ABREU

Psicóloga Clínica e organizacional, especialista em Análise Transacional


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

CONEXÕES NA ERA DA SOLIDÃO




A tarde de sol tímido convidava a um chá acompanhado de cookies com gotas de chocolate e talvez um pedaço generoso de bolo de laranja. Ela passou algumas horas do seu tempo preparando o ambiente. A toalha bordada, os guardanapos com as cores suaves, acompanhando os tons das rosas que enfeitavam o vaso sobre a mesa redonda do jardim. Com seus passos lentos, sentou-se à varanda na confortável cadeira de ratan e olhando para o horizonte, pensou em uma amiga ao seu lado, na outra cadeira, também de ratan, para prosear neste bucólico e acolhedor ambiente. Após várias tentativas, esgotou sua agenda em vão. Não havia companhia para este cenário. Todos estavam ocupados, comprometidos, ou desinteressados. Na companhia dos pardais inquietos, ela sorveu o chá e se serviu de uma fatia do saboroso bolo. Desapontada, não conseguiu impedir que uma lágrima indiscreta rolasse pela face.
 Um grande vazio habita a alma de muitas pessoas nesta sociedade contemporânea. São sete bilhões de seres humanos buscando, cada um a seu modo, esta tal felicidade. A forma egocêntrica de amar coloca o outro à serviço das necessidades. Ao mudar de necessidade, descarta-se o relacionamento com a mesma naturalidade com que é deletado o lixo eletrônico. Nossa sociedade doente revela o embotamento de interesse pelas pessoas não conectadas aos projetos imediatistas, apoiado em uma sensibilidade reprimida, que vai ficando cada vez mais ausente da relação eu-tu.
Na era da solidão, cada um se diverte com seus contatos virtuais, facilmente desligados e controlados à distância. Um clique e pronto! Fui dormir e não precisei nem mesmo me despedir. Outro clique e pronto! Estou de volta. Para uns sim, para outros não, porque posso escolher para quem eu me revelo. Em qual aplicativo posso navegar sem despertar ciúmes das pessoas reais ao meu lado? Em qual ambiente virtual posso preencher meu vazio e fazer conexões que não incomodem a minha consciência e meus valores? Confortável com as escolhas feitas, a vida segue.
A quantidade e a superficialidade dos relacionamentos estão mais disponíveis porque a qualidade e a profundidade deles necessitam tempo de investimento. Lapidação constante. Reparação. Às vezes, perdão.
Há quem não se deixe seduzir pelas relações ilusórias e transitórias, quem busque a essência e a decência de olhares reais, profundos e conectados na alma. Para estes, a vida pode seguir sem eventuais companhias para um chá com bolo de laranja e um papo consistente. Mas não seguirá sem a esperança de ver a outra cadeira de ratan ocupada um dia por alguém que a mereça.

Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga
www.katiaricardi.com.br 




terça-feira, 21 de junho de 2016

FRAQUEZAS: QUEM NÃO AS TEM?




- Qual é o seu ponto fraco?
                Esta é uma das perguntas que faço durante a entrevista de seleção. Parece que alguns candidatos levam um susto. Fico imaginando o diálogo interno deles: - Como assim? Isso é uma pegadinha? Se eu falar posso me prejudicar? Estou aqui para mostrar minhas qualidades, como é que vou entregar o meu ponto fraco? Sei lá eu qual é!
Insisto com o candidato: procure identificar... há algo em você que pode ser melhorado?
                Muitos resistem, dão respostas tangenciais, fazem um profundo silêncio aguardando que eu desista e passe para a pergunta seguinte e poucos, muito poucos, revelam ter consciência de seus pontos fracos.

Fraquezas: fragilidades, imperfeições, falhas. Quem não as tem?
Forte é quem tem consciência delas, pois para percebê-las, admiti-las, é necessário passar pela humildade de se reconhecer imperfeito. Este processo pode ser doloroso. Por esta razão o conhecer a si é tão evitado.
Forte e corajoso é quem reconhece suas fraquezas e quando necessário as compartilha com o outro. É quem as assume não como perpétuas, mas como transitórias no seu processo evolutivo.
Ser fraco é diferente de ter fraquezas. Ser fraco é não assumir as fraquezas, não as transformar em aprendizagem, em lições de vida.
Ter fraquezas é reconhecer-se como ser humano em crescimento, aguardando o tempo de maturação para sair do casulo, é trabalhar silenciosamente na lapidação da alma.
Jamais um ser humano conhecerá sua própria força se não se confrontar com suas fraquezas, e ao confrontá-las, não fazer delas uma desculpa, justificativa para estacionar como botão que não se transforma em flor no jardim da vida.
As fraquezas são pontos desafiadores que nos convidam a ser uma pessoa melhor, e podermos um dia, olhar para trás com orgulho do caminho percorrido.
Não devemos aceitar rótulos pelas nossas fraquezas. Não devemos considerar comentários críticos sobre os pontos que estamos lapidando conscientemente. Podemos considerar o que falam, mas não devemos acatar sem passar pela peneira da reflexão. Há muita distância entre quem somos e como o outro percebe quem somos.
No ambiente de trabalho costumo dizer que, a pessoa considerada um problema em uma empresa pode ser a solução para a outra empresa. O talentoso e ousado pode ser visto como inconveniente. O dinâmico pode ser visto como ansioso. O que pode ser um defeito para uma pessoa, pode ser uma qualidade para outra pessoa.
Fraquezas não são defeitos. Fazem parte do conjunto de características que a pessoa apresenta em determinado momento da sua vida. Alguns meses depois, podem não mais existir. Muita cautela com os julgamentos, portanto, pois nada é definitivo quando estamos diante de um ser humano.

KÁTIA RICARDI DE ABREU

Psicóloga Clínica e organizacional, especialista em Análise Transacional pela UNAT-BRASIL -CRP 06/15951-5