Quem não conhece a
história de William Kankwamba, deveria conhecer. Este jovem nasceu em uma
família de camponeses na vila de Kasingu, no Malawi, continente africano. Em
2001, uma seca assolou a região, muitos morreram de fome e William e a sua
família passaram a se alimentar apenas uma vez ao dia. William foi buscar na
biblioteca da escola local, livros de ciência, mais especificamente de física,
sem ao menos dominar o inglês, para aprender e compreender figuras e diagramas,
que o levaram a acreditar que poderia construir um moinho de vento. Seu
objetivo era gerar eletricidade e também bombear água para irrigar a terra,
salvando sua família e sua comunidade da fome. William visitou periodicamente
um ferro velho, juntou peças enferrujadas com partes da bicicleta que pertencia
ao seu pai Trywell e construiu uma bobina eólica capaz de gerar 20 watts, suficiente
para bombear água e irrigar a terra para o cultivo de alimentos em toda a vila.
A história de
William inspirou o filme protagonizado por Maxwell Simba, “O menino que
descobriu o vento”, sensação do momento na Netflix. Mas quem quiser assistir o
próprio William contando sua história, basta acessar o Youtube e assistir sua
palestra na série de conferências para disseminação de ideias, conhecida como
TED.
O que me
impressionou neste garoto de 13 anos, foi sua atitude perseverante diante de
tantos obstáculos. Ele não desistiu de frequentar a única escola da comunidade
secretamente, uma vez que foi proibido pelo diretor de estudar, por falta de
pagamento das mensalidades. E ainda, persuadiu seu pai a acreditar nas suas
ideias e a concordar com o desmanche da bicicleta para que algumas peças fossem
usadas na construção do moinho. Sensível ao problema, não pensou em si ou até
mesmo na sua família apenas, mas em toda a comunidade. Visão abrangente e
comportamento negociador, somaram-se à sua capacidade intelectual.
A história de
William convidou-me a refletir sobre o comportamento humano com foco na
escassez e abundância. Em continentes do chamado primeiro mundo, abarrotados de
tecnologia, fartura de alimentos, riquezas mil, convivemos diariamente com a
miséria. Podemos refinar nossa percepção e identificar o quanto estamos
distantes da riqueza da generosidade, da colaboração, da partilha, da
solidariedade, da empatia. Nossa sociedade adoece na pobreza dos bons
sentimentos para com nossos semelhantes. A intolerância cresce a cada dia
diante da menor contrariedade neste mundo repleto de torneiras com água,
mercados com vasta variedade de alimentos, mesas fartas e até o lixo farto.
Moinhos invisíveis
urgem serem construídos para fabricar calor humano entre as pessoas em regiões
tão abonadas de riquezas materiais. No ferro velho da vida, talvez possamos
encontrar pedaços de boas intenções, sucatas enferrujadas de perdão, para
seguirmos em frente e salvarmos nossa existência da miséria de nossas almas
iludidas e famintas de amor.
Quantas vezes nos
percebemos querendo construir moinhos que nos levem a atitudes pacíficas nas
nossas relações interpessoais em prol de uma convivência mais leve.
Que bom seria se cada
um de nós pude inventar sua própria engenhoca invisível, transformada em
atitudes para irrigar este árido solo de nossas mentes e corações endurecidos.
E que os ventos de Malawi nos inspirem a construir relacionamentos
fundamentados nos mais nobres sentimentos e nas mais admiráveis ações
distanciadas da escassez.
Kátia Ricardi de
Abreu, Psicóloga CRP 06/15951, Diretora da Ego Clínica e Consultoria. www.katiaricardi.com.br
Publicado em 21/04/2019 na Revista Bem-Estar, jornal Diário da Região.