Vamos
refletir sobre relações amorosas, a dor diante das rupturas e as possibilidades
de elaborações.
Após uma
separação, é muito frequente alimentar ressentimento em relação ao ex parceiro.
A dor vivenciada com a culpabilização do outro, coloca-o na posição de algoz
enquanto se permanece na clássica posição de vítima. Este sentimento, no
entanto, torna inviável a superação.
Quem não
ouviu falar em Medeia? Figura mítica de mulher que tudo sacrificou em nome de
sua exigência de amor por um homem, para obter o amor de Jasão, não hesitou em
perpetrar todo tipo de transgressão, inclusive matar os próprios filhos.
Temos
então, o protótipo da mulher que busca exclusividade no desejo de um homem.
Quando perde o amor do seu homem ela “se” perde. Experimenta a angústia não da
perda real do objeto amado, mas da perda do amor por parte dele. Seu medo é ser
abandonada pelo parceiro e perder seu amor, porque tem necessidade e total
dependência uma vez que abdicou de sua própria vida em favor dele. Isso a faz
pensar que poderá exigir o amor deste homem, pedir provas como recompensa por
sua dedicação. Sua fragilidade narcísica percebe o parceiro como indispensável
ao seu equilíbrio e isso a faz lançar mão do controle e da posse. Acusa-o de
traidor pelo simples fato de existir fora da relação. Nada pode ser feito sem
que ela esteja incluída e qualquer outro relacionamento passa a ser ameaçador.
De objeto
desejado, temos na paixão patológica, perversão do amor, o objeto necessário,
insubstituível, e sua perda implicaria em aniquilamento. A ansiedade de
perde-lo faz aumentar a cobrança, a avidez, o controle e ela finalmente o perde.
Quando constata que este amor é oferecido a outra mulher, suas emoções são
extremas e podem chegar a altos graus de destrutividade com a perda do controle
da razão.
A pessoa
narcisicamente vulnerável, se acomete por sentimentos de fúria, quando o objeto
amado deixa de viver de acordo com as expectativas que depositou nele. Esta
fúria narcísica responde a uma ferida narcísica. Surge então necessidade de
vingança, perseguição àquele que é identificado como algoz. Visto como inimigo,
passa a ser alvo de destruição e a heroína de Eurípedes deseja-lhe os mesmos
sofrimentos e humilhações por ela vividos. A atitude vingativa imbuída de
irracionalidade, revela sua agressividade arcaica. O ódio e a satisfação sádica
do sofrimento e degradação do objeto amado, entram em ação. O amor não pode ser
renunciado. Assim, Medeia é personificada em crimes passionais e em processos
tramitando em Varas de Família.
Sigmund
Freud, em “Luto e Melancolia”, indica a necessidade de um tempo determinado
para o trabalho de luto ser concluído e o ego se ver novamente livre e
desinibido para novas investidas libidinais. A ruptura de uma relação amorosa
requer um trabalho psíquico, e elaboração de um processo de luto. A Medeia
sente dificuldade em elaborar este luto, sua ferida dói não porque perdeu o
objeto amado, mas porque perdeu um lugar que julga ser seu de direito. Ela quer
reconhecimento de um suposto valor.
A
melancolia indica que um trabalho de luto não pôde ser realizado, a libido não
foi retirada do objeto amado e isso impede qualquer outro investimento afetivo.
As
separações litigiosas, mantidas durante anos, são alimentadas quando os
envolvidos não conseguem elaborar a separação psiquicamente. Mais do que
contrariedades e frustrações vivenciadas em qualquer rompimento, torna-se
ofensivo para aqueles que têm intensas necessidades narcísicas, constatar que o
outro é independente e está conseguindo gerenciar sua vida após o rompimento.
A
capacidade de reparação depende da maturidade do casal e a ruptura poderá
despertar soluções criativas em prol da felicidade em substituição a movimentos
que levam à destruição, desgaste e mais conflitos. Cada parceiro pode assumir a
sua parte da responsabilidade nesta história que vinha sendo construída por
ambos. Perdoar, analiticamente falando, não significa esquecer. Implica
reconhecimento do próprio desamparo e o do outro.
Citando as
palavras sobre o Amor Fino, de Padre Antônio Vieira, em “Sermões”: Quem ama
porque o amam é agradecido. Quem ama para que o amem é interesseiro. Quem ama
não porque o amam nem para que o amem, só esse é fino.
Eu diria que
só esse é amor! Quando se rompe um relacionamento, podem acabar todas as formas
de amar, menos uma: o amor de ser humano
para ser humano. Qualquer um é digno de receber este amor, principalmente
aquele que já partilhou momentos que não serão esquecidos porque foram bons.
Kátia Ricardi de Abreu
Psicóloga CRP 06/15951-5 especialista em
Análise Transacional